Em 1950, não
tinha mais de quatorze anos quando ouvi pelo rádio de nossa casa de Rabat, um
famoso locutor de Radio Maroc – ainda me lembro de seu nome: Jacques Paoli
- declarar com a maior cara de pau:
“Victor Hugo, o maior poeta francês, portanto o maior poeta do mundo...” Dei um
pulo na cadeira. Baseado em que conhecimento universal e atemporal, esse
jornalista podia expressar tão definitiva idiotice? Na sua onisciência em que
patamar colocaria, por exemplo, o medieval Omar Khayyam, os contemporâneos
Garcia Lorca e Pablo Neruda? Sem dúvida o autor dos Miseráveis, nem tanto pela
obra, mas muito também pelos seus engajamentos políticos, foi no século XIX
referência da maior importância no mundo ocidental. Mas como poeta, teria mais
peso que Baudelaire e Rimbaud?
No decorrer
dos anos, o pensamento, a forma e os contextos vão evoluindo. Na riquíssima
língua lusitana como estabelecer rigorosa escala de valores entre Fernando
Pessoa, João Cabral de Melo Neto e Sofia de Mello Breyner? Dependerá muito da
sensibilidade de cada um.
Antes de
escorregar e ser repreendido por Florisvaldo Matos ou Rui Espinheira, vou dar
outro exemplo de nacionalismo inconveniente. Convidado em 1999 pela UNESCO para
um congresso na bela cidade mexicana de Puebla sobre Turismo Cultural e Patrimônio
Gastronômico, ouvi de um palestrante italiano, dono de conceituado restaurante
na capital, que “O patrimônio cultural mexicano, claro, não se pode comparar ao
italiano...”. Além da grosseria, este signore revelava um inquietante
desconhecimento do país onde escolheu viver. Justamente este México onde eu estivera
algumas vezes e que, mesmo antes do simpósio, apelidava de “Itália das
Américas” visto a riqueza cultural e patrimonial, tanto nas civilizações pré-hispânicas
como colonial ou atual.
Acabo de ler
um relato de viagem – sou fã de relatos de viagem - de Érico Veríssimo, quando
diplomata em Washington. Desde 1957, os parâmetros do autor de O Tempo e o
Vento continuam válidos. Faço meus os entusiasmos do famoso potiguar. Diego
Rivera é o Michelangelo do século XX, Juan Rulfo não fica atrás do Ítalo
Calvino. E será que Lina Bô Bardi nada deve a Luís Barragán? Diria até que a cultura
popular mexicana é muito mais forte e presente que a italiana, esta, mais
sofisticada.
A história
nos ensina que nacionalismos podem ser muito perigosos. Basta abrir o jornal de
hoje.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde sábado 13/06/20
Nenhum comentário:
Postar um comentário