sábado, 13 de junho de 2020

OS PERIGOS DO NACIONALISMO


    Talvez por ter morado em vários países, nacionalismos sempre me deixaram desconfortável. Não acredito que haja uma bandeira dona da supremacia, seja ela militar, científica ou cultural. Da mesma forma que não existe a mulher mais bonita, o homem mais forte ou mais rico. Como nuvens estas noções são mutáveis e efêmeras.

Sociedade Chesterton Portugal: Chesterton, os amigos e…DostoiévskiEm 1950, não tinha mais de quatorze anos quando ouvi pelo rádio de nossa casa de Rabat, um famoso locutor de Radio Maroc – ainda me lembro de seu nome: Jacques Paoli -  declarar com a maior cara de pau: “Victor Hugo, o maior poeta francês, portanto o maior poeta do mundo...” Dei um pulo na cadeira. Baseado em que conhecimento universal e atemporal, esse jornalista podia expressar tão definitiva idiotice? Na sua onisciência em que patamar colocaria, por exemplo, o medieval Omar Khayyam, os contemporâneos Garcia Lorca e Pablo Neruda? Sem dúvida o autor dos Miseráveis, nem tanto pela obra, mas muito também pelos seus engajamentos políticos, foi no século XIX referência da maior importância no mundo ocidental. Mas como poeta, teria mais peso que Baudelaire e Rimbaud?
No decorrer dos anos, o pensamento, a forma e os contextos vão evoluindo. Na riquíssima língua lusitana como estabelecer rigorosa escala de valores entre Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto e Sofia de Mello Breyner? Dependerá muito da sensibilidade de cada um.
Antes de escorregar e ser repreendido por Florisvaldo Matos ou Rui Espinheira, vou dar outro exemplo de nacionalismo inconveniente. Convidado em 1999 pela UNESCO para um congresso na bela cidade mexicana de Puebla sobre Turismo Cultural e Patrimônio Gastronômico, ouvi de um palestrante italiano, dono de conceituado restaurante na capital, que “O patrimônio cultural mexicano, claro, não se pode comparar ao italiano...”. Além da grosseria, este signore revelava um inquietante desconhecimento do país onde escolheu viver. Justamente este México onde eu estivera algumas vezes e que, mesmo antes do simpósio, apelidava de “Itália das Américas” visto a riqueza cultural e patrimonial, tanto nas civilizações pré-hispânicas como colonial ou atual.
Acabo de ler um relato de viagem – sou fã de relatos de viagem - de Érico Veríssimo, quando diplomata em Washington. Desde 1957, os parâmetros do autor de O Tempo e o Vento continuam válidos. Faço meus os entusiasmos do famoso potiguar. Diego Rivera é o Michelangelo do século XX, Juan Rulfo não fica atrás do Ítalo Calvino. E será que Lina Bô Bardi nada deve a Luís Barragán? Diria até que a cultura popular mexicana é muito mais forte e presente que a italiana, esta, mais sofisticada.


A história nos ensina que nacionalismos podem ser muito perigosos. Basta abrir o jornal de hoje.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde sábado 13/06/20

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