Não me digam que “não existe” Racismo contra negros no Brasil!
(texto impróprio para sensíveis a termos de baixo calão)
Não falarei do racismo que me impôs uma infância vitimada, uma puberdade pária, uma adolescência e uma juventude insurrectas. Começo na sala de parto de meu primeiro filho, quando a assistente da obstetra não se conteve: “mas, é branco?!”; e vi, pelo aço espelhado da luminária cirúrgica, minha médica sinalizar para que ela silenciasse porque eu estava ouvindo. Ouvi de um parente que eu tinha a “barriga limpa”, porque meu filho nasceu com pele mais clara que a minha (!). Na Igreja, numa confraternização após uma missa, eu carregava meu filho adormecido numa dessas bolsas com que amarramos o bebê ao nosso corpo, quando uma mulher fez muita festa para o “anjinho dormindo” e, diante de meu sorriso embevecido, olhou para um lado e para o outro e perguntou, em alto e bom som: “quem é a mãe deste neném?”
Ainda vivencio situações constrangedoras – para o racista, porque eu não me incomodo de incomodar. Num almoço em casa de amigos, um convidado contou sobre uma empregada doméstica que engravidou depois de “seduzir” o filho adolescente da patroa, pontuando: “pelo menos, ela não é preta!” Fiquei olhando para o cretino, degustando o pasmo e a paralisação de todos (eu era a única negra presente), até que alguém quebrou o silêncio, mas não o incômodo que durou até ele ir embora – grampeado, envelopado, selado e carimbado como racista!
Não me incomodo de me acharem metida ou “nojenta”, em vez de firme ou forte; de me considerarem teimosa, desobediente, em vez de convicta, decidida; de me olharem com suspeição e dúvida, em vez de respeito e admiração; de atribuírem menor importância ao que digo e faço, em vez de relevarem meus anos de estudo e de especialidade; ou de me compararem a alguém, invariavelmente de pele branca, que consideram “melhor”, sem que lhe tenham pedido opinião – toda vez que isso acontece, exponho o racista ou o deixo mergulhado na sua estupidez! Mas, nem sempre o racista percebe, porque o racismo pode estar entranhado como coisa natural, e isso é difícil de reverter. Esse racista nega o racismo que pratica; ele me segue nas lojas, porque acha que “posso” furtar; é o que diz: “tenho amigos negros” (porque, evidentemente, divide seus amigos em negros e brancos), “eu acho negro lindo” (Hã?), “eu sempre defendi vocês” (vocês?) ou, pior, “vocês também são racistas” (também?)!
Ora, não me digam que não existe racismo contra negros no Brasil!
Os exemplos que dei são leves, levíssimos. Omiti o deboche na piada, o fetiche vulgarizado, o assédio chulo na rua, a subestima profissional indecorosa, o nojo incontido e manifesto.
O racismo humilha, desonra, mata!
Vítimas do racismo fazem toda arte, toda cultura, toda ciência, toda técnica, toda tecnologia, modelam boas práticas, motivam sensibilidades... porque lutam em dobro: pelo que anseiam e contra as barreiras do racismo – esse ódio temperado a covardia.
Para o racista contumaz, que não consegue ver a situação de privilégio concedida pela pele clara que carrega, ou que, embora negro, acha que sempre foi “bem tratado” e que se fez sozinho (ignorando os que lutaram pelo direito ao espaço que ele agora ocupa), para o racista que acha que quando negros reivindicam um direito para negros estão sendo racistas, para esse racista sem cura eu só posso dizer uma coisa: foda-se! Cansei de tentar e de esperar que se cure!
Jesus! Pequei. Só agora percebi que usei um vocábulo de baixo calão! E olha que eu escrevi quinze vezes – contando esta e as próximas, no singular, no plural e separando sílabas: “ra-cis-ta”. Ai, ai, essa pandemia está mexendo comigo!
Já o verbo que conjuguei para o racista é um vulgarismo grosseiro, eu sei, mas, lá pelas tantas, também significa copular... Coisa boa! Grande benefício para a preservação da humanidade. Como sua prática, de fato, pode ocasionar inenarrável prazer, retiro o que desejei ao racista! E só posso querer para ele o destino metafórico consagrado pelo renomado e inesquecível deputado federal Justo Veríssimo: “se explooooda”!
P.S. vou rezar um “Ato de contrição”, mas, acho que é tempo perdido... Acredito veementemente que racistas não têm cura.
Ana Virginia Pinheiro
Bravo!
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