Para os novos moradores do Santo Antônio, este nome nada deve significar. Alta, forte, calma, sempre sorridente, cabelo entre branco e alourado trançado em coroa acima da cabeça, tinha sido diretora da Escola Panamericana. Talvez a única, neste bairro de fofocas e intrigas mil, como se vila do interior fosse, da qual ninguém ousaria falar mal. Pessoas como ela enobrecem qualquer lugar onde moram. Ela foi embora no princípio deste milênio.
Fora uma das
mais entusiastas participantes de minha inciativa de decorar a rua Direita para
o desfile de Dois de Julho e criar um concurso de fachadas. Além de ajudar na
confecção das bandeirinhas, enfeitou a fachada de sua casa colocando cartazes
com informações históricas, lúdica aula de história. Toda a imprensa elogiou
nosso trabalho. Infelizmente a prefeitura achou por bem, no ano seguinte,
premiar em dinheiro as mais belas decorações - em vez de manter minha decisão
de somente dar um diploma – o que, logicamente, desembocou num mar de
intermináveis brigas.
Uma manhã, a
professora bateu à minha porta. Vinha acompanhada de dois irmãos, o trio com
cara de cerimônia. Considerando algumas intervenções minhas na cidade, em
reconhecimento, me ofertavam um imponente e pesado livro: “A Grande Salvador,
posse e uso da terra”, datado de 1978, com textos de Pedro Calmon, Cid Teixeira,
Orlando Gomes e outras autorias de grande prestígio. Seria uma das estrelas de
minha modesta biblioteca.
Consequência
da interminável pandemia, aproveitando a ausência da amiga e arquivista Cecília
Vieira de Melo, os cupins fizeram a festa. Quando descobrimos o desastre, já
era tarde. Haviam devorado silenciosamente um bom terço do livro.
A elegante casa
amarela de Dona Nilzete, até os anos 90 ostentou na cimeira da fachada eclética
três belas cerâmicas brancas do Porto do século XIX. Não havia guia que não
mostrasse a espetacular raridade aos turistas. Até que um dia de manhãzinha, a
rua acordou assustada com a notícia do roubo de duas das três peças. Supõe-se
que os larápios vieram tarde na escuridão da noite. Com algum caminhão e uma
boa escada, conseguiram remover duas estátuas. A terceira ficou. Resistiu a se soltar?
Medo da ronda da polícia? Nunca saberemos.
Desolada,
Dona Nilzete foi à delegacia registrar o roubo. Representantes do IPHAN fizeram
um inquérito suspeitando que a professora, humilhada e indignada, tivesse
vendido as cerâmicas. Ficaria responsável pela salvaguarda da estátua restante
que, por medida de segurança, foi retirada e colocada dentro da casa.
Após o
falecimento da professora, a casa foi vendida com todo o recheio, permanecendo
fechada por muitos anos. Da antiga cerâmica do Porto nunca se soube o destino.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde. 12/11/2022
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