Patrimônio arquitetônico sofre com abandono ao longo dos anos
Prédios públicos e privados vêm sofrendo com a ação do tempo sem que haja ações de conservação
A memória de Campos pode estar em risco em função do descaso com que o patrimônio vem sendo tratado ao longo dos anos. Prédios públicos e privados vêm sofrendo com a ação do tempo sem que haja ações de conservação. É o caso do antigo Solar do Colégio, que abriga o Arquivo Público Municipal Valdir Pinto de Carvalho, do Solar dos Airizes, do Museu Olavo Cardoso e do Hotel Flávio. Os quatro imóveis citados, sendo dois administrados pela Prefeitura e dois de propriedade particular, vêm se degradando ao longo dos anos. O temor é de que, junto com eles, se vá parte da própria História do município. Para o presidente do Instituto Geográfico e Histórico de Campos (IGHC), Genilson Soares, a cidade sofre, desde a década de 60, “um processo progressivo de ‘Alzheimer’ sobre o seu patrimônio cultural material”.
Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1946, o antigo Solar do Colégio foi escolhido como sede do Arquivo Público Municipal, guardião dos documentos históricos de Campos, mas vem sofrendo com a falta de manutenção. A cada chuva as goteiras aumentam, evidenciando a urgência da necessidade de reforma e colocando em risco todo o acervo histórico contido no prédio construído em XVII pelos jesuítas. Processos judiciais, jornais, livros e toda uma história de séculos, que pode ser perdida, caso a obra de restauro não tenha início imediatamente.
Os recursos para a obra de recuperação do prédio, da ordem de R$ 20 milhões, foram doados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de janeiro (Alerj) e estão depositados na conta da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), mas um impasse no entendimento entre a instituição de ensino e a Prefeitura acerca de detalhes cruciais para execução do projeto de restauração vem impedindo o andamento da obra, que ainda não foi sequer licitada.
A verba foi repassada em maio de 2022, quando foi assinado o Termo de Cooperação Técnica entre a Uenf e a Prefeitura. No final de novembro de 2022, aconteceu uma reunião entre o prefeito Wladimir Garotinho, o reitor Raul Palácio e representantes da Alerj, quando foi acordado que a licitação sairia em 30 dias, o que não ocorreu.
Apesar da situação precária do prédio, a Prefeitura de Campos informou que o Arquivo Público Municipal segue em funcionamento, enquanto aguarda avanço nos trâmites de sua reforma. “As partes continuam trabalhando para que a restauração do Arquivo se torne realidade, em curto espaço de tempo. O telhado do Solar do Colégio, que apresenta maior comprometimento, será prioridade nas intervenções, em razão das fortes chuvas que vêm abalando sua estrutura”, afirmou, por meio de nota.
A Uenf foi procurada pela equipe de reportagem do J3News, mas não havia retornado até o fechamento desta edição.
Salões por onde Dom Pedro II passou em ruínas
Na BR-356, no trecho que liga Campos a São João da Barra, o Solar dos Airizes se destaca pela sua imponência. O prédio histórico faz parte da paisagem e encanta quem passa pela rodovia com sua arquitetura do período colonial. Construído no início do século XIX pelo comendador Cláudio de Couto e Souza, o local foi residência do escritor Alberto Lamego, que, casado com uma das filhas do comendador, herdou o edifício, onde abrigou sua pinacoteca. A coleção de pinturas acabaria vendida por ele ao Museu Antônio Parreiras, em Niterói, onde se encontra até os dias atuais.
O Solar dos Airizes foi tombado pelo Iphan em 1940. Sua importância histórica é reconhecida, inclusive, por causa das visitas ilustres que recebeu, se destacando a do Imperador Dom Pedro II, em 1883. O imóvel, no entanto, está em ruínas. Algumas paredes, tanto na fachada, quanto no interior do prédio já caíram. Portas e janelas estão em estado precário, o forro de madeira desabou em alguns cômodos. Além dos vários ambientes, o solar possui uma capela, que também está parcialmente destruída. Olhando de fora, a sensação é de que o prédio não resiste por muito tempo sem intervenção.
Em 2014, o solar foi vendido pela família Lamego para uma empresa do ramo imobiliário. Porém, mesmo se tratando de propriedade privada, uma decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em uma ação proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), condenou o município de Campos a tomar medidas efetivas de preservação do imóvel.
Questionada sobre o cumprimento da decisão judicial, a Prefeitura informou que foi aberto um processo interno para contratação da empresa para executar a restauração do Solar e que o procedimento está tramitando e seguindo as formalidades legais inerentes à toda contratação pública.
Abandono e roubo
No Centro da cidade, o estado decadente do Museu Olavo Cardoso salta aos olhos de quem passa pela avenida Sete de Setembro, esquina com rua dos Goytacazes. A varanda da frente caiu durante as chuvas do mês de janeiro. O abandono é flagrante: mato alto, teto e forro desabando, pilastras rachadas, sem contar que o museu teve parte do acervo e dos móveis furtados em dezembro de 2020.
Inaugurado em 2006 e fechado desde 2013, o museu está instalado na antiga residência do usineiro e filantropo Olavo Cardoso. Trata-se de uma construção do final do século XIX, com 12 cômodos. De acordo com a vontade do usineiro, manifestada em testamento, a casa e o acervo foram doados após a morte de sua última herdeira.
O Museu Olavo Cardoso foi tombado em 2013 pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam). Conselheiro do órgão representando a sociedade civil, o empresário Edvar Chagas lamenta que o local tenha chegado a tal ponto de abandono e diz que o Coppam vem cobrando do poder público a conservação do local.
“Estamos na expectativa, inclusive, de que seja celebrado um Termo de Cooperação Técnica entre a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL) e o Instituto Federal Fluminense (IFF) que viabilize, por meio do Curso de Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo da instituição, projetos, dentre os quais o de restauração do Museu Olavo Cardoso, para estudos futuros da obra do equipamento”, ressalta Edvar.
A Prefeitura de Campos informou, por meio de nota, que segue em processo de estudo técnico para o projeto arquitetônico do Museu Olavo Cardoso. “Trata-se de um prédio histórico e, neste caso, o referido equipamento precisará de um detalhado processo de restauração”, disse.
Procurado pela equipe de reportagem do J3News, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ)informou que foi instaurado Inquérito Civil sobre a situação do Museu Olavo Cardoso, mas não detalhou as medidas que podem vir a ser solicitadas.
Após incêndio, invasão
Do prédio onde um dia funcionou o Hotel Flávio, hoje só existe a fachada. No último incêndio no local, ocorrido em novembro de 2022, a parte interna do edifício, que já estava muito avariada, acabou destruída por completo. Dentro do prédio, também localizado no Centro, em frente à Praça Batalhão Tiradentes, agora só há escombros. O desabamento causou a interdição da rua Carlos Lacerda, no trecho que fica entre as ruas Sete de Setembro e 21 de Abril.
Segundo comerciantes do entorno, o local é alvo constante de invasores, que tentam encontrar qualquer coisa de valor que ainda possa haver por lá, como, por exemplo, a grade instalada na parte de cima do prédio, que está sendo retirada aos poucos.
“Eles vêm aqui à noite e ficam batendo. Não vai demorar pra conseguirem arrancar a grade. E o pior é que ela pode cair em cima da fiação elétrica”, diz um comerciante, que prefere não se identificar por medo de sofrer retaliação.
O Hotel Flávio foi construído ainda no século XIX. Pertenceu aos familiares do Visconde de Araruama e foi tombado pelo Coppam também em 2013. Já há algum tempo sem a devida manutenção, o prédio sofre a degradação causada pela passagem do tempo.
O MP-RJ informou, por meio de nota, que foi ajuizada ação civil pública em face dos proprietários e que está em fase de cumprimento de sentença.
“Alzheimer” do patrimônio cultural material
O presidente do IGHC, Genilson Soares, lamenta as perdas que o município vem sofrendo ao longo dos anos no campo do patrimônio cultural material e afirma que o Município vem sofrendo, há mais de 60 anos, um processo de esquecimento da própria História.
“Entendo que a partir de 1961 a nossa Cidade entrou em um processo progressivo de ‘Alzheimer’ do seu patrimônio cultural material, quando ocorreu a demolição da Igreja N. S. Mãe dos Homens e o Hospital da Santa Casa de Misericórdia, prédios icônicos que ficavam em frente ao Chafariz Belga na Praça das Quatro Jornadas. De lá pra cá foram inúmeras perdas de prédios históricos, principalmente no quadrilátero da Praça do Santíssimo Salvador. Não existe cobrança por parte da população, pois lhe falta o sentimento de pertencimento, coisa que só se consegue com informação e educação patrimonial”, opina.
Soares critica, ainda, a atuação do Poder Público na criação de políticas capazes não só de preservar esse patrimônio, mas mesmo de perceber seu potencial econômico.
“Por parte dos síndicos que elegemos de 4 em 4 anos, falta planejamento e gestão para transformar, através do turismo, o nosso rico patrimônio arquitetônico em uma fonte econômica para o município. Quando não cuida da sua história e de seu patrimônio cultural, um povo não consegue responder: quem somos? Onde estamos? Para onde queremos ir?’, encerra.
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