‘As árvores cuidam uma das outras’, diz engenheiro florestal
Por Renato Grandelle | Fonte: O Globo
Peter Wohlleben: engenheiro acredita que espécies preferem vida em
comunidade. Foto: allevents.in
Humanos e árvores têm mais características em comum do que se supõe.
Assim como nós, elas são mais fortes em grupo. Vivem em sociedade, compartilham
nutrientes, protegem-se em conjunto de fatores como o excesso de calor e de
frio. Seguem, também, um manual de etiqueta tácito, que dita sua aparência e o
que devem fazer. A divisão de tarefas abrange até os indivíduos mais velhos e
fracos, e os filhos merecem atenção especial. Assim como nós, as árvores não
estão rodeadas apenas por aliadas. Mantêm, às vezes até a morte, uma rivalidade
com outras espécies e invadem seu espaço, competindo por sol e alimento — e são
capazes de liberar sinais para atrair predadores dessas espécies “inimigas” por
uma rede de comunicação formada por fungos, que se expande por diversos
quilômetros.
Em entrevista ao GLOBO, Peter Wohlleben denuncia a negligência humana no
trato com o meio ambiente — um comportamento que, segundo ele, poderia ser
modificado se aprendêssemos o que as árvores sentem e como se comunicam.
O
senhor organizava treinamentos de sobrevivência na floresta de sua cidade
quando passou a se interessar por árvores. Como foi isso?
Foi em um dia em que descobri pedras cobertas de musgo. Quando eu me
abaixei, reconheci que eram restos de um tronco velho. Ele ainda estava vivo,
embora a árvore tivesse sido cortada há cerca de 400 anos. Como isso poderia funcionar?
Nenhum ser vivo aguenta séculos de jejum. A única explicação era que aquele
tronco recebia nutrientes das árvores vizinhas. As árvores não são egoístas,
elas cuidam uma das outras. Esta foi, até agora, a visão que mais me fascinou
em meus estudos. Eu não conhecia uma colaboração que durasse tanto tempo.
Não
existe uma competição pelos mesmos recursos?
Não, se estivermos falando de árvores que são da mesma espécie. É como a
espécie humana: juntos somos mais fortes. Isso não significa que não há evolução.
Há árvores que se adaptam melhor a novas condições climáticas ou a ataques de
insetos do que outras. As mais jovens recebem um grande apoio de suas mães, é
como se fossem “amamentadas”. Todas precisam de vizinhas, uma grande comunidade
que determinará o microclima local, como por exemplo um ar mais úmido, que
impeça que todos os membros sofram com a seca.
E se
forem de espécies diferentes?
Aí pode haver uma hostilidade. As raízes de uma espécie ocupam cada
espaço não usado pela outra, infiltram-se em seu tronco e puxam água e
nutrientes, enfraquecendo e ultrapassando a altura de sua rival. Desta forma,
também recebe mais luz do sol e pode se alargar. A derrotada, pouco antes de
perder, construirá os “ramos do medo”, que são galhos na parte inferior do tronco,
com folhas que sobrevivem com menos luz do que as da copa. Pode-se dizer que
estas árvores estão em pânico.
As
árvores mais fracas e antigas têm um papel no ecossistema da floresta?
Certamente. Árvores da mesma espécie apoiam-se através de uma rede,
construída por conexões de raízes. Há uma constante troca de nutrientes que
fortalece os membros mais fracos daquela comunidade. Além disso, as árvores
também contam com fungos que transmitem rapidamente as mensagens entre elas.
São como cabos de fibra óptica da internet. Por ali passam notícias sobre
ataques de insetos, de modo que todas as árvores possam se preparar contra os
agressores.
O
senhor também destaca como as árvores têm seu próprio tempo, como se vivessem o
lema fosse “devagar e sempre”.
Vi árvores centenárias que tinham apenas um metro de comprimento,
esperando sob suas árvores-mães por décadas, até que estas morressem e, com
isso, recebiam mais luz, proporcionando seu crescimento. Esta é uma
demonstração perfeita de paciência. Em nosso mundo rápido, é bom ver que a
natureza tem seu próprio tempo.
Diversas espécies de
árvores, como abetos e pinheiros, identificam a saliva de insetos e atraem
predadores específicos. Foto: – Elaine Thompson/AP
Como
as árvores se comunicam? Como cooperam entre si e se protegem de animais?
As árvores têm diferentes oportunidades para se comunicar. Primeiro, com
aromas — elas enviam certas substâncias quando são feridas por insetos ou
mamíferos. Desta forma, as árvores vizinhas da mesma espécie reconhecem o
perigo e começam a se preparar para o ataque. A outra possibilidade é pelo
envio de substâncias químicas e sinais elétricos. Isso acontece próximo às
raízes com a ajuda dos fungos. E definitivamente as árvores também conseguem se
comunicar com animais. Espécies como pinheiros sabem identificar a saliva de
cada espécie de inseto, e assim atraem predadores específicos. Por exemplo,
apelam para pequenas vespas, que depositam seus ovos no corpo das lagartas que
comem suas folhas. A larva da vespa se desenvolve no interior da praga, que é
devorada pouco a pouco.
Qual
é o papel das florestas em um mundo cada vez mais industrializado?
Sou um ser humano, então preciso matar outros seres para sobreviver.
Isso faz parte de nossa natureza, e considero válido, desde que só façamos isso
quando realmente for necessário. E também é importante saber como lidamos com
animais e vegetais. Em Hümmel (no Oeste da Alemanha), passamos a impedir o
corte indiscriminado de árvores e determinamos métodos de manejo sustentável na
área sob nossa responsabilidade. Essa iniciativa tem ganhado adeptos ao redor
do mundo (inclusive no Brasil) e causado o reaparecimento de matas originais,
com pouca ou nenhuma intervenção humana, trazendo de volta a riqueza e todos os
benefícios das florestas ancestrais.
Que
cuidado pode ser tomado?
Não usamos grandes máquinas no campo, para evitar destruição. As árvores
mais velhas são intocáveis, para que possam dar apoio às jovens. Uma árvore sem
contato com as outras, em vez de estar em uma comunidade, torna-se um
indivíduo, e assim fica mais vulnerável a doenças e à perda de folhas. Acredito
que mais reservas deveriam ser construídas, para que este ecossistema possa se
desenvolver sem perturbação.
Como
é o seu trabalho?
Ofereço passeios para que a taxa paga pelo público seja usada para
recuperar as florestas do meu distrito. Não quero que as pessoas pensem nas
árvores apenas como produtoras de oxigênio ou madeira.
O
senhor tem uma espécie de árvore preferida?
Minhas árvores preferidas são aquelas que nasceram antes de a Humanidade
mudar o eecossistema com plantações.
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