Google tira do ar jogo que
simula escravidão após reclamações de brasileiros
Até a manhã desta quarta-feira (24/5), game estava disponível
para download no Google Play; MPSP pediu esclarecimentos ao Google
A Google removeu nesta terça-feira (24/5) um aplicativo chamado
“Simulador de Escravidão” que estava disponível para download na plataforma
Google Play. O game foi alvo de denúncia de usuários e também da mandata
coletiva da Câmara de Vereadores de São Paulo Quilombo Periférico (PSOL), que
chamou atenção para o app em suas redes sociais. “Racismo não é entretenimento,
é crime!”, disse o texto publicado no Instagram. O Ministério Público de São
Paulo deu três dias para que o Google explique como o aplicativo ficou
disponível.
A remoção ocorreu por volta das 13h, segundo relato de usuários do
Google Play. Ao tentar encontrar o aplicativo pelo site aparece uma mensagem
que indica a remoção: “o URL solicitado não foi encontrado no servidor”. Uma
versão anterior da página dizia que o jogo estava disponível desde o dia 20 de
maio para download.
Por meio de nota, vereadores do Quilombo Periférico disseram
entender que a responsabilidade não é só da empresa desenvolvedora, mas também
da empresa americana.
“O Google também deve ser responsabilizado, uma vez que disponibiliza o jogo em sua plataforma e é portanto conivente com o racismo e a apologia ao crime contra a humanidade que foi a escravidão”, disse a nota enviado pela mandata Quilombo Periférico.
Elaine Mineiro, covereadora do Quilombo Periférico, disse que o
jogo é “chocante” e “violento” e quando há discussões sobre a regulação de
plataformas é importante lembrar que as violências presentes nas redes são
geralmente voltadas para as minorias.
“Quando a gente fala de violência nas redes, grande parte das
vezes a gente está falando de violações a direitos humanos, ao que se entende
como minorias na nossa sociedade. Isso é um desrespeito e, mais do que isso, um
crime”, disse à covereadora.
A plataforma mostra que o “Simulador de Escravidão” já foi baixado
por mais de 1.000 pessoas e que ele tem classificação indicativa livre. A
descrição do jogo fala que o usuário será capaz de comprar e vender “escravos
no mercado” e também é possível distribuir “seus escravos em diferentes
empregos para ganhar dinheiro”.
Dentro do jogo há um desenho de um homem negro coberto apenas com
algo como um cueca, preso com algemas no pescoço, mãos e pernas.
Ao baixar o jogo é possível escolher entre 16 línguas para
tradução dos comandos (variando do inglês ao turco). Uma das telas mostradas
aos usuários descreve os escravos como mercadoria, trazendo um resumo com o
custo de manutenção dos escravizados e o lucro gerado pelos mesmos.
Outra tela, com as instruções sobre o jogo, orienta que o jogador
“monitore a barra de processo de abolição da escravatura” e que se essa taxa
chegar aos 100% “a escravidão será abolida”. A liberdade dos escravizados pode
ou não ser um objetivo do jogo, segundo texto mostrado aos usuários.
Nas instruções existem falas sobre o desejo de liberdade dos
escravizados, que pode gerar tentativas de fuga ou rebeliões. “Para diminuir o
desejo de liberdade, melhorar a qualidade dos alimentos, dar um trabalho mais
atraente, ou realizar pesquisas”, descreve a orientação.
Há opção de usar escravizados ou pagar por trabalhadores, que não
são personagens iguais e têm funcionalidades diferentes dentro do jogo. Os
primeiros, por exemplo, são divididos em três níveis, que aumentam seu preço de
mercado.
Empresa supostamente baseada na Ucrânia
A empresa responsável por pelo menos subir o jogo na plataforma do
Google Play é identificada como Magnus Games. É possível chegar a e-mail e um
grupo do Facebook por meio dos contatos que a empresa deixou na página que o
“Simulador de Escravidão” tinha na plataforma da empresa americana.
O grupo do Facebook criado em abril de 2022 é gerenciado por duas
contas, uma da própria Magnus e outra administrada por um usuário com nome
Андрей Кардашов ou Andrey Kardashov em transliteração para o português. Foi
Andrey quem o criou.
Em uma publicação de outubro do ano passado, dentro deste grupo, a
empresa respondeu um comentário que pedia a melhora da versão em português de
um jogo, dizendo que usava tradução automática. “Até agora estamos usando a
tradução automática. Desculpe pela imprecisão. Estamos trabalhando em uma boa
tradução”, escreveu a Magnus.
Na página pessoal de Andrey, ele também postou sobre a empresa. O último post feito no Facebook pessoal é de 2 de junho de 2022 e mostra um jogo da Magnus Games chamado em português de “Estratégia Conquista Planeta”. Nas imagens postadas por Andrey é possível ver a tela de um jogo com temática espacial.
Outras informações que estão no perfil de Andrey são que ele mora
em Kiev, a capital da Ucrânia. Ele possui uma lista extensa de livros de ficção
publicados na internet com temáticas como guerra, liberdade e salvação da
civilização humana. O ucraniano também tem um canal no Youtube onde fala dos
próprios escritos.
Na plataforma onde disponibiliza seus audiobooks, Andrey Kardashov
usa o mesmo nome da empresa, “Magnus”, como leitor. Andrey não atualiza as
redes sociais há um ano. Ele mantém um perfil na VK, a rede social russa
equivalente ao Facebook, e nela se denomina “empreendedor”
Andrey também assina o nome da Magnus na Apple Play. Isso é
possível de verificar clicando na homepage do “Simulador de Escravidão” ao
clicar em “Mais Jogos”.
Outro indício que relaciona Andrey e a Magnus está na página
APPGG, uma plataforma que reúne jogos. Na página do jogo Politician Election
Simulator, o ucraniano aparece
como o desenvolvedor, mesmo que o nome tenha uma diferença de grafia
em relação à transliteração do russo feito com uso do Google Tradutor e também
do Translator.Eu.
Reações oficiais
Após repercussão, houve reações por parte do Ministério da Igualdade Racial e do Ministério
Público de São Paulo que instaurou notícia de fato a respeito
do aplicativo. Apesar do app já não aparecer no página do Google Play, a
procuradora Maria Fernanda Balsalobre Pinto, do Grupo Especial de Combate aos
Crimes Raciais e de Intolerância (Gecradi), deu 24 horas para que a empresa
americana esclareça se foi feita a remoção.
A procuradora também pediu que o Google apresente documentos
internos de solicitação e aprovação feita pelo desenvolvedor para que o
“Simulador de Escravidão” estivesse disponível. O prazo aqui é de três dias.
O Ministério da Igualdade Racial disse em nota que procurou o Google assim que foi informado sobre o jogo “para a construção conjunta de medidas que contribuam para um filtro eficiente para que discursos de ódio, intolerância e racismo não sejam disseminados com tanta facilidade e sem moderação em espaços virtuais”.
Também foi marcada uma reunião entre a pasta e o Google para
“construir uma moderação de conteúdo antirracista”.
Outro lado
A reportagem questionou o Google sobre a permanência do jogo na
plataforma. Por meio de sua assessoria, a empresa americana respondeu que o
jogo foi removido. Em nota, o Google disse que remove aplicativos quando
identifica “uma violação de política”.
“O aplicativo mencionado foi removido do Google Play. Temos um
conjunto robusto de políticas que visam manter os usuários seguros e que devem
ser seguidas por todos os desenvolvedores. Não permitimos apps que promovam
violência ou incitem ódio contra indivíduos ou grupos com base em raça ou
origem étnica, ou que retratem ou promovam violência gratuita ou outras
atividades perigosas. Qualquer pessoa que acredite ter encontrado um aplicativo
que esteja em desacordo com as nossas regras pode fazer uma denúncia. Quando identificamos
uma violação de política, tomamos as ações devidas”, escreveu por meio da
assessoria.
No Twitter, a conta oficial do Google Play respondeu um usuário
que denunciou o jogo dizendo para que o mesmo fizesse uma denúncia por meio de
um site.
“Levamos essas denúncias muito a sério e agradecemos seu contato”,
disse o Google Play, em livre tradução, já que o texto original está em
inglês.
A empresa Magnus Games, que aparece como responsável por pelo
menos subir o jogo no Google Play, foi procurada por e-mail, mas não respondeu
até a publicação da reportagem.
Também entramos em contato com Andrey por meio do Facebook, sem
retorno até o momento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário