Ato I. Seis
personagens à procura de um paraíso desciam o Rio do Inferno. Tudo combinara para
tornar esta viagem um total desastre. Maré vazante, bancos de areia, céu com
cinquenta tons de cinza, chuvas furiosas castigando o barco, nada lhes foi
poupado. A casa alugada não podia ser obra de arquiteto. Uma cozinha pequena que
nem minha casa minha vida, geladeira parada tipo greve de bancários durante os
cinco dias. Nos quartos lençóis fininhos e mantas idem, no chuveiro água fria.
Fria mesmo. Redes e cortinas nas camas para não tiritar durante os vendavais
noturnos. Acrescente luzes fúnebres de gerador cansado, e terão assim montado o
cenário introspectivo para um drama à la Ibsen.
Ato II. Um tímido raio de sol nos tira da cama antes das
seis. O imenso lençol de areia fina se estende até debaixo das ondas de um
oceano adormecido onde balança um velho barco solitário. Montado no seu jegue,
um pescador passa. Nossas crianças correm, alegres. Jorge – Ah! Jorge... Como você
nos facilitou a vida! – pega cocos e logo antes do café teremos aquela água que
os deuses do Olimpo não puderam saborear. Marília e Camila trouxeram
mantimentos para o Bolshoi inteiro, mas como resistir às mesas toscas do Pontal
de Bainema, nosso quartel geral até o fim da estadia, onde nos espera Henrique,
advogado cansado de poluições mil? O cardápio foge ao trivial. Sucumbiremos sem
demora ao ceviche e às massas com lagosta.
Ato III. Longa caminhada desde a casa de vidro até Morerê. Será
o ponto alto do espetáculo. Ao sair da praia, após atravessar um modesto riacho
de águas vermelhas - deve haver ferro lá no alto - entramos numa alameda de
conto de fadas onde delicadas flores de hibiscos formam um dossel que nos
protege do sol do meio-dia. Dizem que a fazenda pertenceu a “grande amiga” do
Doutor Norberto. Encontro sem dificuldade a casa do João, uma das colunas do terreiro
Bate Folha. E cadê o João? Na varanda, um copo de cerveja cheio acompanha dois caranguejos.
Em vão chamo o João em várias oitavas, percorro a casa aberta, quase vazia...
João sumiu! Resta subir até a Pousada Alizée Moreré. Bela vista, bela
realização. Mas cadeirantes, esqueçam!
Ato IV. Pancadas de
chuva. Desistimos da excursão até Cova da Onça. Boipeba é ante-sala do paraíso,
sim. Com preços mais para Wall Street. Fiquemos, pois, a espreguiçar na
varanda, observando a valsa lenta dos coqueiros. Um bom vinho chileno para
celebrar o aniversário do Cláudio com bolo especial de chocolate made by Pontal. Deixemos correr o tempo ao
ritmo das marés.... Lentamente, a cortina desce sobre aquilo que se transformou
em sorridente comédia musical. Aplausos!
Dimitri Ganzelevitch
Publicado n´A Tarde
Sábado 23 de setembro 2017
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