sábado, 6 de outubro de 2018

UM PATRIMÔNIO EM MOVIMENTO


Os jurados chegando. São muitos. De propósito.  Antropólogos, artistas, fotógrafos, jornalistas, músicos. Formadores de opinião. Mais uma turista e alguém dentre o sempre numeroso público. A todos é distribuída a mesma camiseta que mais tarde será também distribuída aos concorrentes. Aqui todos são iguais. Esta camiseta ostenta sempre uma ilustração concebida especialmente por conhecido artista, seja local ou estrangeiro.
A rotunda do Mercado Modelo vai enchendo de cor, alegria e expectativa. A inscrição é simples e rápida. A cada vendedor de café é atribuído um número que será colocado em evidência no carro. Os canais de televisão instalaram suas câmeras. Hoje o evento será transmitido até o Uruguai e o Japão, sem contar o Fantástico da Globo.


Mesmo assim, arrancar das autoridades ou patrocinadores a modesta quantia de aproximados dez mil reais é para mim sempre um calvário. Acabarei tirando algo de meu bolso. Encomendei mocós na feira de São Joaquim, evitando assim o abuso de sacos de plásticos e ajudando o artesanato do Recôncavo. Lá estão, cheios de garrafas térmicas, pacotes de café, chocolate, açúcar, latas de leite em pó e os incontornáveis copinhos descartáveis.



Esta foi minha briga por mais de 20 anos ao organizar estes concursos de carros de cafezinho, maravilhosa expressão de cultura popular tão específica de Salvador. O último foi com o apoio do Paulo Costa Lima, então presidente da Fundação Gregório de Matos.
Assim que minha emoção foi grande ao presenciar, em fim de setembro, o mestrando Eduardo Fróes detalhar seu trabalho de pesquisa sobre a atividade dos ambulantes que vendem café nas ruas e praças de nossa capital. No oitavo andar da Associação Baiana de Imprensa com vista privilegiada sobre a praça da Sé, compareceu um público de amplo leque social. Desde o vice-reitor e professores da universidade até vendedores de café.


Eduardo demostrou a seriedade de seu trabalho, mas também sua extrema sensibilidade ao abordar a expressão de uma das classes mais desfavorecidas do povo baiano. No final, deixou escapar uma forte emoção, sem adivinhar que, na plateia, havia um velhinho tão comovido quanto ele ao lembrar estes anos de luta contra o preconceito dos “rapas” da prefeitura e das empresas temerosas de ver seu nome ligado a tão humilde trabalho.
Fica, para mim, a lembrança destes eventos quando, por algumas horas, estes pés-de-chinelo que levantam de madrugada, andam quilómetros no calor ou na chuva para assegurar o sustento de suas famílias e, de repente, se transformavam em alegres reis da cidade. O mais importante para mim foi dar-lhes um pouco da dignidade humana que, mais que o pão quotidiano, tanto lhes faz falta.


Nenhum comentário:

Postar um comentário