Como cheguei
cedo no Pelourinho, consegui uma boa cadeira na terceira fila da Praça das
Artes, ficando sentado prazerosamente por quase quatro horas “de relógio”. Estranhei
um pouco a gravação musical antes do concerto que nada tinha a ver com música
erudita ou MPB. Nesta grande feira musical, de tudo um pouco aconteceu. Desde a
criancinha que monopoliza a atenção de parte do púbico fingindo reger a
orquestra com um pauzinho, o casal que não desgruda dos celulares até as três
bem-nutridas que, abrindo alegremente suas quentinhas, piquenicam de garfo em
punho ouvido a Quinta de Beethoven. E
aquela coroa produzidíssima que dá um pulo de alegria ao ouvir anunciado
Pixinguinha depois do Haydn, se levanta da cadeira e desaparece?
Extasiado,
Carlos Prazeres se surpreende com o espaço lotado. Gente sentada até no chão. E
eu me surpreendo com a imensa fila de todas as idades, cores e condições
sociais querendo entrar. Já esperava multidão, mas nem tanto! Ainda no fim dos
anos 80, se a memória não me falha, o Isaak Karabtchevsky veio reger a mesma
orquestra no Largo do Pelourinho que ficou entupido de gente até a boca das
ruas. Foi no calor da noite a primeira e única vez que vi digníssimos doutores (mal)
sentados no chão da praça.
Nem só de
arroche e pagode o baiano vive. Pode não entender as sutilezas entre um
movimento e outro do quarteto de cordas, mas gosta, sim, de Purcell, Mozart,
Chopin e Malher. Gosta de música e a música clássica pode abrir portas
inesperadas. É só ter oportunidade de ouvir. Então, Rose Lima e Luís Prazeres, por
que não tentam convencer o governador a construir aquele mítico palco móvel do
Pasqualino Magnavita? Quase trinta anos que estamos a aguardar!
Acostumado a
sentar na Salle Gaveau e na Sala São Paulo, confesso ter ficado bastante
desorientado ao ouvir Carlos Gardel depois do quarteto do Imperador. Algo como
comer acarajé depois do strogonoff. Sentindo falta de um programa impresso, me
permito sugerir usar o telão para colocar as informações essenciais: nome do
compositor com datas, título da obra e, a cada movimento, projetar “Allegro”,
“Andante” etc.
Só uma coisa
me incomoda: ser um evento pontual. Para uma formação de plateia, porque não
ocupar sempre o mesmo espaço, cada semana durante o verão? Não precisaríamos
correr atrás de uma informação, com frequência falha, para ter o privilégio de
mergulhar em música de qualidade executada com alto grau de profissionalismo.
O evento do
sábado 11 de janeiro teve como clímax a presença do “monstro sagrado” Caetano
Veloso que nos deliciou com três de suas antigas composições. Nem ouso sonhar
com uma surpresa deste quilate em cada evento do muito bem-sucedido “Verão da
OSBA”.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde / Sábado 25/01/20
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