Formandos da USP dão o troco em diretor e desbancam ministra-paraninfa: Não nos representa
Desde 17 de janeiro de 2019, Durval Dourado Neto é diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
Localizada em Piracicaba, interior de São Paulo, ela é voltada aos cursos de ciências agrárias, sociais aplicadas e ambientais.
Em menos de um ano de gestão, um “feito” dele já tem lugar garantido na história da escola: a pressão sobre os alunos para a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ser a paraninfa das oito turmas de formandos de 2019.
A intromissão do diretor na escolha funcionou.
Tereza Cristina foi convidada e aceitou ser a paraninfa de mais de 200 estudantes.
Mas nessa terça-feira, 14/01, os estudantes deram o troco em Dourado Neto, pois a ministra levou um carão na frente de todos os presentes ao encontro.
Nara Perobelli, formanda em Gestão Ambiental, desbancou a ministra.
Durante o encontro, ela leu uma dura carta dos estudantes, criticando a escolha da paraninfa, o modelo do agronegócio e o projeto da ministra e do governo Bolsonaro, que é a “cara da bancada ruralista”.
A carta termina com uma homenagem à agrônoma Ana Maria Primavesi, pioneira da agroecologia, que faleceu dia 5 de janeiro de 2020, aos 99 anos:
Acreditamos, trabalhamos para isso e seguiremos na luta em direção a um sistema, que, como diz nossa sempre presente Ana Maria Primavesi, “não é para vender adubos e defensivos, mas para produzir bem e barato”.
Abaixo, a íntegra da carta dos formandos das turmas de 2019 da Esalq/USP, lida por Nara Perobelli (veja vídeo no topo).
Bom dia a todas e a todos!
Aqui na ESALQ nós passamos de 4 a 7 anos de nossas formações ouvindo, independentemente do curso que fazemos, sobre o agronegócio. Desde a administração, passando por ciência dos alimentos e engenharia florestal, todos, exceção, entram em contato com esse universo.
De um agro que é pop, que é tech, que é tudo. Temos a certeza de que a senhora, ministra, e o governo Bolsonaro como um todo, representam, geram e reproduzem em seu projeto de país esse modelo.
Um modelo que é a cara da bancada ruralista. Um projeto de governo fundamentado e sustentado no capital e na desigualdade.
Que em 2019 gerou incêndios de proporções assustadoras;
Que prendeu e matou ambientalistas, indígenas, quilombolas, agricultores, mulheres, negros, lgbtqi+;
Que buscou silenciar cientistas, pesquisadores, professores e todos que com dados escancaravam os problemas trazidos pelo tipo de agricultura que vocês incentivam com palavras e dinheiro.
Nós passamos de 4 a 7 anos aqui dentro ouvindo de muitos que essa era a única maneira possível de acabar com a fome no Brasil e no mundo.
Ouvimos de muitos, mas não de todos.
Hoje, segurando este microfone tenho o orgulho de representar quem entende, por meio da ciência, da ética, e do amor sem rótulos, que uma outra agricultura e modelo de sociedade são possíveis.
Esse grupo de pessoas é formado por estudantes, professores e funcionários que fazem pesquisa e extensão fundamentados na agroecologia nesta universidade, que é pública e que deve ser de todos e todas.
Para este grupo do qual eu faço parte, é intragável que esta Escola, que se diz gloriosa, seja conivente com uma forma de produção e um projeto de país que se baseia no lucro, excluindo as pessoas do campo e as múltiplas funções da agricultura.
Um governo que cerceia a ciência e a autonomia das universidades, que distorce informações, que não se propõe a ouvir as nossas vozes nas ruas, mas que suporta nos escutar por dois minutos em troca de publicidade e uma placa de homenagem.
Não, não representa a nenhuma ou nenhum de nós uma paraninfa ou paraninfo que do alto cargo de liderança que possui, escolha fazer política dessa forma.
Acreditamos, trabalhamos para isso e seguiremos na luta em direção a um sistema, que, como diz nossa sempre presente Ana Maria Primavesi, “não é para vender adubos e defensivos, mas para produzir bem e barato”.
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