“Isabel, a mulher que espoliou Angola”, “A mulher mais rica de África à custa do saque de Angola”: o Luanda Leaks na imprensa internacional
Uma investigação jornalística sem precedentes mostra como, ao longo de duas décadas, Isabel dos Santos, empresária e filha do ex-Presidente de Angola José Eduardo dos Santos, utilizou recursos públicos em benefício próprio. Na investigação participaram 36 meios de comunicação social e todos escolheram títulos diferentes para explicar o escândalo dos Luanda Leaks. O Expresso faz a seleção de alguns dos mais significativos
ais de 120 jornalistas em 20 países estiveram envolvidos nesta gigantesca operação de investigação sobre o desvio de milhões de dólares por parte da empresária angolana Isabel dos Santos. Os parceiros do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), do qual o Expresso faz parte, estão espalhados por todo o mundo - e em cada país os destaques dos jornais e das televisões assumem contornos diferentes porque o império criado por Isabel dos Santos envolve dezenas de sectores e nações e centenas de empresas sediadas em quase todos os continentes.
Em Espanha, o “El Confidencial” titula com dureza: “Isabel: a mulher que espoliou Angola”. O “La Sexta”, também em Espanha e também parte do ICIJ, escolheu uma manchete mais explicativa mas igualmente com enfoque nas consequências para população angolana deste desvio de fundos: “A origem polémica da fortuna de Isabel dos Santos, a mulher mais rica de África à custa do saque em Angola”.
No Reino Unido a BBC escreve: “Isabel dos Santos: A mulher mais rica de África ‘tramou’ Angola” e o diário “The Guardian” tem na homepage vários títulos dedicados ao tema, com especial destaque para as ramificações do negócio de diamantes de Isabel dos Santos: “O negócio de diamantes que abalou Angola”. Em França, o “Le Monde” também explica os Luanda Leaks de uma forma mais abrangente: “O domínio de Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África, nas finanças de Angola”. Um outro país europeu com muitas ligações a Isabel dos Santos é Malta, que a empresária angolana e o seu marido, Sindika Dokolo, terão usado como domicílio do dinheiro que retiraram das empresas públicas angolanas para proveito ou investimentos pessoais. O jornal “Times of Malta” escreve: “As ligação de Malta à multimilionária ‘princesa’ de Angola”. “As autoridades de Angola compilaram uma lista de pelo menos 10 empresas maltesas que, segundo a investigação, a filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos possa ter usado para desviar dinheiro de empresas estatais”, lê-se logo no início do artigo.
Na Alemanha, um dos jornais envolvidos na investigação é o Süddeutsche Zeitung e chama a título as ligações de Isabel dos Santos a uma subsidiária do banco de fomento alemão KfW, a KfW Ipex-Bank, e que está, desde a sua criação, orientada para o financiamento das exportações alemãs. “Dinheiro alemão para a mulher mais rica de África”, escreve o jornal. E explica: “Isabel dos Santos também recebeu apoio do exterior para os seus negócios, incluindo um empréstimo de uma subsidiária do banco de desenvolvimento alemão KfW no valor de 50 milhões de euros”.
Um dos jornais mais citados no resumo escrito pelo próprio consórcio - e que o Expresso publicou na íntegra e traduzido para português, tal como os outros parceiros fizeram para as suas respetivas línguas - é o Trouw, um meio de comunicação holandês que escreveu bastante sobre uma das descobertas mais inquietantes desta fuga de informação: a expropriação dos habitantes do bairro da Areia Branca, para a qual a empresa holandesa de dragagem Van Oord contribuiu ao aceitar trabalhar para o governo sabendo dos negócios obscuros em que Isabel dos Santos e a sua família já se tinham envolvido no passado. A Van Oord foi contratada para construir pequenas ilhas ao largo da costa de Luanda, onde surgiriam complexos de luxo e toda uma cidade moderna. Na reportagem “O preço amargo de um projeto de milhões” lê-se que o projeto visava “a construção de praias de areia amarela, avenidas com palmeiras, modernos apartamentos e escritórios residenciais e uma marina dariam à capital do país da África Ocidental um novo visual. Quando a obra começou, foi dito que ninguém precisava de sair do local para a construção acontecer. Mas o contrário é que acabou por se revelar verdade”, lê-se na reportagem do Trouw.
O jornal “De Tijd”, impresso na Bélgica, destaca “A rede de empresas por trás da mulher mais rica da África”.
Do outro lado do Atlântico, o “New York Times”, com um artigo escrito a partir de Lisboa, puxa para título as ligações das empresas norte-americanas ao império de Isabel dos Santos: “Como empresas norte-americanas ajudaram a mulher mais rica de África a explorar os recursos do seu país”. O diário nova-iorquino escreve que quando as empresas de consultoria Boston Consulting e McKinsey assinaram um contrato para ajudar a reestruturar a Sonangol, “concordaram em ser pagos de uma maneira incomum - não pelo governo, mas por uma empresa maltesa propriedade de Santos”. A “Quartz” também se foca, num dos vários artigos que fez sobre o assunto, nas ligações de Isabel dos Santos a Portugal: “A Accenture retirou milhões da filha de um autocrata apesar das acusações de corrupção”. Na página online da publicação norte-americana lê-se que a Accenture aceitou fazer negócios com Isabel dos Santos mesmo depois de a imprensa portuguesa (a Quartz cita em especial o Expresso) ter alertado para esquemas de corrupção nas cúpulas do poder em Angola.
A página de jornalismo de investigação brasileira “Agência Pública” destaca em manchete um resumo dos Luanda Leaks mas tem também uma história sobre a influência da família de Isabel dos Santos no Nordeste brasileiro: “Como o dinheiro desviado de Angola pelo governo corrupto veio parar na Paraíba”. Também no Brasil a página “Poder 360” titula: “Mulher mais rica da África explorou laços familiares e empresas de fachada para construir um império”.
A dependência africana da Radio France Internationale escreveu sobre este caso, sob o título “A exposição do ecossistema Santos-Dokolo”, envolvendo diretamente o marido da empresária na trama. À RFI Afrique, Dokolo justificou o aparecimento destes documentos com a ação de “hackers portugueses” e dos “meios de comunicação social que querem influenciar a opinião pública”.
Eurodeputado alemão fala em "escândalo chocante" e insta Portugal a agir
O eurodeputado alemão Sven Giegold, que acompanha escândalos financeiros como os `LuxLeaks` e `Panamá Papers`, considerou hoje que o caso dos `Luanda Leaks` "é chocante", pedindo ação ao Governo português para acabar com programas como os vistos `gold
Reagindo hoje à agência Lusa às revelações feitas no domingo de alegados esquemas financeiros da empresária angolana Isabel dos Santos, que também afetaram Estados-membros da União Europeia (UE) como Portugal, Sven Giegold falou num "escândalo chocante porque atinge um dos países mais pobres do mundo", Angola.
O eleito alemão da bancada dos verdes europeus, que é ativista na denúncia de casos de corrupção como os `LuxLeaks` ou os `Panamá Papers`, tendo chegado a partilhar esta `tarefa` com eurodeputada portuguesa Ana Gomes, vincou que "há uma coisa que Portugal deve fazer" após a divulgação dos `Luanda Leaks`.
Segundo o eurodeputado, este tipo de programas "tornam mais fácil a existência de negócios da Europa sem controlo dos supervisores bancários", facilitando ainda "as transações com dinheiro sujo".
"É inaceitável que o Governo português, como um governo de centro-esquerda, apoie este tipo de sistema", insistiu Sven Giegold, argumentando que "Portugal tem um papel importante" neste escândalo financeiro em Angola.
Para Sven Giegold, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia também devem agir.
No que toca à assembleia europeia, o eurodeputado considerou que deveria haver um "debate público" sobre o caso na próxima sessão plenária, que decorre entre 10 e 13 de fevereiro, mas ressalvou que isso depende da agenda e da disponibilidade dos grupos políticos.
Já relativamente à Comissão, Sven Giegold sugeriu mexidas nas leis de combate à elisão e evasão fiscal, que a seu ver devem ser mais apertadas e harmonizadas em toda a União Europeia, tendo em conta que "há muitas diferenças nos regimes fiscais" entre os Estados-membros.
O eleito alemão defendeu ainda a aplicação de sanções, no caso dos `Luanda Leaks`, a "bancos e a supervisores que, alegadamente, não seguiram a lei de combate à lavagem de dinheiro".
"Os documentos revelados mostram que o dinheiro proveio de fontes dúbias e isso demonstra que essas entidades, que deveriam ter respeitado a lei, não tomaram as devidas providências", adiantou.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou no domingo mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de `Luanda Leaks`, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.
De acordo com a investigação, Isabel dos Santos terá montado um esquema de ocultação que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (cerca de 90 milhões de euros) para uma empresa sediada no Dubai e que tinha como única acionista declarada a portuguesa Paula Oliveira, amiga de Isabel dos Santos e administradora da operadora NOS.
Irmã de Isabel dos Santos desafia empresária a devolver dinheiro a Angola
‘Tchizé’ dos Santos deixa a proposta de que a irmã transfira o dinheiro e faça um " investimento na melhoria das condições de vida, para colaborar" com o governo angolano.
‘Tchizé’ dos Santos, irmã de Isabel dos Santos, desafiou a irmã, esta quinta-feira, a devolver 75 milhões de euros ou dólares a Angola "para resolver o problema".
"Como cidadã, esquecendo que sou irmã da engenheira Isabel, eu, sabendo que tem ativos em Angola e fora, eu se estivesse no lugar da cidadã Isabel dos Santos, mesmo que o dinheiro fosse todo lícito, o Estado angolano está a deixar muito claro que precisa urgentemente que a engenheira Isabel transfira algumas divisas para Angola", disse a ex-deputada numa declaração enviada à agência Lusa.
“O que está em causa é a dívida de 75 milhões? Pague, então, se estão pedir euros e não querem kwanzas, apesar de um Estado, normalmente, querer receber na sua moeda, mas se precisa de dólares e está a pedir à cidadã, a cidadã que mais beneficiou das oportunidades de negócio em Angola, está na hora de a cidadã retribuir tudo o que o Estado lhe proporcionou, propiciando que fizesse grandes negócios e tornar-se a mulher que é hoje... pronto, mande dinheiro para Angola", desafiou.
Segundo a agência Lusa, na mesma declaração, a filha de José Eduardo dos Santos diz ainda que "quanto mais não fosse em consideração aos trabalhadores [das empresas de Isabel dos Santos], devia tentar negociar um valor a transferir para Angola para fazer novos investimentos, ainda que o dinheiro seja todo ele lícito, ainda que a única coisa em causa seja os 75 milhões que foram pagos em kwanzas à Sonangol, e que a Sonangol devolveu, e que agora tem de se voltar a pagar".
Assim, ‘Tchizé’ dos Santos deixa a proposta de que a irmã transfira o dinheiro e faça um "investimento na melhoria das condições de vida, para colaborar com um governo". "Mais vale dar os 75 milhões de dólares ou euros como o Estado quer e para além disso, em demonstração de boa fé, faça um investimento, transfira para o país euros, dólares, para fazer investimento”, diz, dizendo à irmã que construa uma Universidade Isabel dos Santos ou um hospital privado de grande dimensão.
"[Isabel devia dizer que] 'para além de tudo o que já investi e os empregos que já gerei, e apesar de toda esta confusão, é o Presidente da República que manda, quer mais investimento, já mostrei que não há ilicitude nenhuma (...) pronto, há o tal contrato do Dubai, mas aquilo ainda não é prova de ilicitude, a menos que aquilo que a senhora Paula [Cristina Neves Oliveira , administradora não executiva da operadora de telecomunicações NOS] assinou esteja a ser usufruído pela engenheira Isabel dos Santos, mas acho que a senhora Paula fez o contrato, prestou os serviços, recebeu o dinheiro, pode haver uma questão moral mas não é crime", refere a mesma declaração, de acordo com a agência noticiosa.
“Se não é ilícito, que não seja ao abrigo da lei de repatriamento de capital", refere. "Vamos resolver isso, Angola é de todos, vamos resolver o problema do país", conclui.
Recorde-se que Isabel dos Santos está no centro da polémica no âmbito do caso Luanda Leaks - uma investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, onde foram analisados 715 mil documentos que mostram esquemas financeiros feitos, alegadamente, por parte de Isabel dos Santos.
A investigação detalha esquemas financeiros que terão permitido retirar dinheiro dos cofres do Estado angolano, por meio de paraísos fiscais. No final do ano passado, Isabel dos Santos já tinha sido acusada pela justiça angolana de celebrar negócios com o Estado através de empresas públicas.
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