A influência dos alemães no Recôncavo da Bahia
Dentro de uma cultura essencialmente negra, é evidente que uma cultura branca fique invisível.
Por Francisco Guedes
Chamados de radicais, austeros, frios, e ao mesmo tempo, pontuais, intelectuais e de um povo que sempre soube se reerguer nas adversidades, os alemães que se asilaram no Recôncavo da Bahia, contribuíram e deixaram suas marcas registradas em todo território.
Dentre essas contribuições, uma das mais importantes foi o processo de expansão urbana, que vai desde a implantação da ferrovia até o desenvolvimento das fábricas de charutos que, a princípio, fora caracterizado como uma cultura de pobre, e mais tarde, com o seu crescimento industrial, conseguiu se tornar o segundo produto da economia baiana.
O historiador Luiz Cláudio Dias do Nascimento, 64, comentou que “o tabaco era visto como uma cultura de pobre por ser, inicialmente, um trabalho aplicado à agricultura familiar, em que bastava ter um pequeno espaço de terra e poucos escravos, era o suficiente para desenvolver a produção do fumo.”
Nessa ocasião, por uma determinação real do século XVIII, só algumas cidades do Recôncavo baiano estavam autorizadas a cultivar o tabaco. Esse acordo foi importante para não comprometer, por outro lado, o abastecimento de gêneros alimentícios. “E isso implicava em carestia“, disse o historiador. Era um termo usado, na época, para referir-se a carência, a ausência de comidas. Entretanto, para não comprometer a carência de alimentos, o rei determinava que apenas algumas cidades da região poderiam cultivar o tabaco.
Antiga Fábrica de Charutos Suerdieck & Cia, em Cruz das Almas – Imagem: https://almanaquecruzalmense.wordpress.com/2015/09/23/a-fantastica-historia-da-suerdieck-em-cruz-das-almas-e-na-bahia-parte-3/.
Essas cidades do Recôncavo baiano autorizadas a cultivar o tabaco, foram as cidades atreladas ou juridicamente dependentes de Cachoeira: São Félix, Muritiba, Cruz das Almas e Santo Antonio de Jesus, embora algumas dessas zonas, na época, ainda fossem desocupadas, o que caracterizava-se como uma produção não relevante, como a cidade de Castro Alves, Conceição da Feira e São Gonçalo dos Campos.
Todas essas cidades eram classificadas como freguesias de Cachoeira, porque tudo o que elas produziam e precisava exportar para Salvador, inevitavelmente, passava por Cachoeira para fazer o pagamento da taxa de impostos.
Com a evolução, esses povoados se expandiram no ponto de vista demográfico e logo se tornaram vilas. E em função das grandes fábricas de fumo, logo depois se tornaram cidades. Nesse período, as fábricas que se destacaram foram as Fábricas de Charutos Dannemann e Suerdieck, ambas implantadas na segunda metade do século XIX.
Novas famílias imigram para o Recôncavo
Como outros tantos, os alemães vieram para a Bahia, fundamentalmente, em busca de abrigos. Fugindo das guerras e sem nenhum privilégio, vieram pensando em conseguir uma vida melhor aqui, já que estas não eram exatamente as condições que encontravam na Alemanha. E por não conseguirem se adaptar ao clima, logo se espalharam. Mas foi em Cachoeira que partes desses recentes imigrantes conseguiram se asilar e então compartilhar seus conhecimentos para o desenvolvimento social, cultural e econômico do Recôncavo da Bahia.
Judeus em sua maioria, essas famílias recém chegadas foram introduzidos como força motriz de trabalho, e no decorrer, devido à maneira que eles se instalaram aqui, refugiados, foram julgados criminosos de guerra, e por isso, vários alemães foram levados presos e todos os seus bens confiscados.
Conrado Schinke Martfeld, 46, descendente de alemão, disse que esse foi um período de grandes traumas, devido às tragédias que seus familiares sofreram quando aqui desembarcaram, pois, além de muitos terem sido presos e torturados, outros, os que não conseguiram voltar para a Alemanha, acabaram cometendo suicídio, que foi o caso da sua avó materna. “Minha avó cometeu suicídio aos 26 anos, e por causa disso, e pelo fato do meu avô ter sido preso, minha mãe acabou ficando órfã aos 6 meses de idade”. E faz uma ressalva dizendo que “isso se deveu, entre outros fatores, às pressões políticas da época, uma vez que o Brasil, mesmo no final, acabou entrando na Segunda Guerra e fazendo oposição ao Eixo, grupo cuja Alemanha fazia parte.”
Os familiares de Conrado estão sepultados no cemitério dos alemães, em Cachoeira. O cemitério fora construído no século XIX para inumar os alemães protestantes e outros povos não católicos de origem europeia. “Todos nós, descendentes, que continuamos aqui, sempre lutamos junto às autoridades políticas – que só promete e nunca cumpre – para tentar revitalizar esse patrimônio, mas nunca conseguimos.” protestou Conrado.
Passado esses conflitos, estes novos imigrantes, os que conseguiram sobreviver, começaram a se diversificar. Alguns empregando novas formas de trabalho de ocupação, outros já não se dirigiram tanto às áreas rurais. Mas trabalhavam como operários, e até mesmo como professores, principalmente, dentro das artes, em que Hansen Bahia foi o grande destaque. Trazendo da Alemanha a xilogravura, ele conseguiu apresentar para o Recôncavo toda sua habilidade com a produção de desenhos a partir da madeira. As suas marcas estão disponíveis no Museu Hansen Bahia, em Cachoeira, e Memorial de São Félix.
Outras contribuições
De todas as cidades do Recôncavo, Cachoeira era a mais importante por causa da maior concentração, principalmente dessas famílias alemãs.
Segundo o historiador Luiz Claudio Dias do Nascimento, outra forte contribuição da cultura germânica para o Recôncavo foram as criações de igrejas protestantes. Ele disse que “em Cachoeira teve a primeira e única igreja evangélica luterana do Brasil, que não vingou, também, por questões políticas, e pelo fato de ser uma cidade em sua maioria negra e católica, logo, uma igreja luterana não prosperaria jamais.”
Somado a tudo isso, os alemães também influenciaram na literatura, no jornalismo, nas artes, na música, no teatro e em todo o pensamento filosófico e liberal europeu no Recôncavo. Essas contribuições, inclusive, foram fatores preponderantes para a transformação da concepção de escravismo.
Portanto, mesmo com todas as influências dos alemães na arquitetura civil e dos móveis, presentes até os dias atuais no Recôncavo. Construindo sobrados, além de casas com jardins na entrada da porta – que também faz parte do modelo arquitetônico alemão – eles estão escondidos em Cachoeira.
Com o passar dos anos a cidade passou a negar, de fato, a existência de uma cultura alemã. Um exemplo desse desprezo está na ausência de festas comemorativas que pudessem resgatar esses valores também culturais. E o outro está no completo abandono do cemitério pelos políticos, cujo projeto de recuperação nunca saiu do papel.
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