sábado, 22 de fevereiro de 2020

UMA FAMÍLIA MUITO ESPECIAL



Hoje tentarei pagar uma velha dívida, pois é mais do que provável que sem o apoio afetivo e concreto do artista e cineasta Chico Liberato e sua família, eu não estaria aqui, a caminho de meio século de enraizamento nesta terra que, por boa que seja, lá também tem suas areias movediças.
Logo que cheguei em Salvador, fiz amizade com Renato Ferraz, então diretor do Museu de Arte Moderna, e logo a seguir, a partir de 1979, com o Chico sempre acessível, comunicativo e intensamente humanista.
O Brasil vivia uma época conturbada. Geisel deixara o poder nas mãos do general Figueiredo. Este confessava gostar mais do cheiro dos cavalos que do cheiro do povo. A Primeira Dama, Dona Dulce, tanto se maquiava que mais parecia uma atriz do teatro Kabuki. O ministro Ibrahim Abi Akel inventara a xenofóbica Lei dos Estrangeiros, mas falava-se entre os imigrantes que seu filho, advogado em São Paulo, “facilitava” a permanência mediante razoável quantia de dólares.
Perdido na selva de uma nova vida, encontrei um inesperado lote de vigaristas e estelionatários daqui e d´além-mar. Abraços que deslizam as mãos até seu bolso, amizades que avaliam como poderão se aproveitar de você, discretos empurrões quando está prestes a cair.... Nesta exata hora do mais profundo desânimo – por que quis viver tão longe de minhas raízes? - uma família inteira escondida numa chácara da Estrada Velha do Aeroporto me acolheu sem qualquer cobrança, abrindo amplas suas portas, colocando mais um prato na mesa de refeição.
As crianças cresceram. Soube que tinham casado ou separado, que tiveram filhos, que escolheram novos caminhos enquanto eu ia firmando meus passos por ruelas sombreadas e praças mais amenas, tecendo minhas próprias referências. Envelhecemos. A vida nos distanciou, mas minha memória guarda uma imensa ternura por toda aquela verdadeira tribo que soube me confortar e encontrou solução quando precisei.

Assim que foi grande minha emoção quando, no princípio do ano, Alba e Chico vieram sentar-se no meu pequeno Teatro Elena Rodrigues para ouvir o excelente Quarteto de Flautas da Bahia, encabeçado pelo filho João que eu conhecera ainda no berço. Durante a curta hora do concerto, enquanto ouvia peças pouco conhecidas de Widmer, Guerra-Peixe e Frei Jacinto do Sacramento, executadas por ele, Lucas Robatto, Rafael Dias e Leandro Oliveira com virtuosismo e emoção, minhas lembranças voltavam até o estúdio onde o filme de animação Boi Arruá nascia lentamente pelas mãos dessa família de artistas.
Abrindo o jornal, leio que o profissionalismo de Ana Liberato varreu a prepotência que imperava no Museu de Arte da Bahia. No fim dos mais longos túneis sempre encontro luz na mão de alguém dessa família.

Dimitri Ganzelevitch
Jornal a Tarde
Sábado, 22 de feveiro 2020.

3 comentários:

  1. Ainda bem que existe gente no mundo que acolhe, apoia o outro. Faz pelo
    simples fato de praticar o bem. E bonito também é quando quem recebe esse apoio tem gratidão. Ai os dois lados demonstram as virtudes que realmente nos fazem humanos.

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  2. Dimitri com alegria e eterna gratidão deixo também registrado aqui que sempre considerei essa linda e generosa família eternamente dentro do meu coração pois também por ela fui acolhida em diversas situações de minha vida.
    Tive o privilégio de através da querida irmã e conselheira Alba conhecer e sorver da sabedoria da UDV num difícil momento de minha vida e a importância da amizade e presença deles sempre me engrandeceu enormemente e de tal forma que me sinto irmanada, acolhida e sem sombra de dúvidas o carinho e amizade da querida Alba, do querido Chico das doces Ingra, Cândida e Flor e dos queridos Tito e João me fazem sentir como parte dessa querida família que não vejo por estar treze anos longe mas a presença e força de cada um deles seguirá sempre dentro do meu coração . Gratidão eterna querida família Liberato.

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