Perto do fim (por Mary Zaidan)
Sob patrocínio de Bolsonaro, foram tempos de mentiras, violência e até mortes
O país entra hoje no último mês ou na última semana do seu pior período eleitoral desde a redemocratização, com perigos e consequências ainda imprevisíveis. Pode não acontecer nada – ou tudo de ruim.
Foram tempos de multiplicação de mentiras, baixarias, violência contra opositores e até mortes, sob patrocínio direto ou indireto do presidente Jair Bolsonaro.
Detentor da rejeição recorde de 52%, portanto com chances quase zero de se reeleger, Bolsonaro continuará incitando sua turma contra a imprensa e os institutos de pesquisa, e deve redobrar a veemência na desconfiança das urnas eletrônicas em lives que se tornarão diárias. Na sexta-feira, reiterou que só pretende entregar o cargo “bem lá na frente”, em “eleições limpas”, insinuando que o pleito do próximo domingo já estaria contaminado.
Essa é a ideia. Não importa se a vitória de Lula for por 1, 10 ou 20 pontos de frente, no primeiro ou no segundo turno. Nas hostes bolsonaristas tudo está preparado para contestar os resultados. Por bem – via Justiça Eleitoral – ou por mal, com tumulto e fiéis nas ruas, armados ou não.
Não há novidade nessa trilha. Bolsonaro começou a inocular o vírus da descrença nas urnas há mais de dois anos. Fez isso de forma calculada, metodicamente. E manteve o tom mesmo depois de o Congresso defenestrar a emenda do voto impresso, cujo resultado da votação ele prometera acatar.
Contou e ainda conta com o apoio de militares lambe-botas. Os mesmos que enredaram as Forças Armadas na inédita fiscalização de urnas, mas que são incapazes de dar conta de suas atribuições originárias, como as de fiscalização de armas e munições. Muito menos cuidar da soberania do país. Basta ver a Amazônia, dominada por grileiros que botam fogo na floresta sem dó, garimpeiros ilegais e traficantes de drogas subindo e descendo em mais de três centenas de pistas de pouso clandestinas. Tudo sob os olhos dos verde-olivas.
Como todo autocrata que se preza, Bolsonaro bateu forte na Suprema Corte, elegendo-a como inimiga número 1. Colheu aplausos de seguidores aguerridos, com xingamentos a ministros do STF e ameaças de descumprir decisões judiciais. Frustrou alguns no 7 de Setembro deste ano, mas nada que mexesse com os seus 30%.
Sem conseguir avançar para além da sua tribo, despejou uma dinheirama no Parlamento, cujo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já havia cobrado alto para engavetar os quase 150 pedidos de impeachment que povoam sua mesa. Dinheiro do pagador de impostos que deveria retornar em políticas públicas. Imaginava sair para o abraço depois de bajular a classe média com a queda do preço da gasolina às custas dos governos estaduais, e a aprovação, ao arrepio da lei eleitoral e do teto de gastos, do aumento do auxílio para os mais pobres. Não funcionou, até porque o benefício eleitoreiro expira em dezembro. Subiu uns poucos pontinhos nas pesquisas e só.
Do outro lado, Luiz Inácio Lula da Silva acaricia a possibilidade – e corre os riscos – de terminar a peleja presidencial no próximo domingo. Além de artistas, políticos de peso de outros partidos e intelectuais, sua campanha trabalha em diferentes discursos pró-voto útil. Ação política legítima, mas que espalha antipatias e cria dificuldades de aglutinação para o até então provável segundo turno. Carrega ainda o perigo da vitória com cara de derrota. De chegar bem à frente no primeiro turno e ver o adversário cantar de galo, comemorando o fato de prorrogar o jogo.
Safo, Lula tem preferido mirar na abstenção enquanto a militância age em cima de Ciro Gomes e Simone Tebet. Na semana passada, insistiu no discurso didático da importância de o eleitor ir votar, até para “poder reclamar depois”.
Mas a abstenção, que o PT vende como adversário para adiar a vitória, pode agir exatamente ao contrário. Historicamente, é no Nordeste, onde Lula tem a confortabilíssima vantagem de 38 pontos sobre Bolsonaro, que se registram as mais baixas abstenções do país. Dados do TSE apontam que em 2018, 18,77% não foram às urnas no Nordeste, contra 22% do Sudeste, região em que, segundo o último Datafolha, Lula (40%) e Bolsonaro (39%) estão empatados. As mulheres, 52,4% do eleitorado, também costumam comparecer mais do que os homens. E entre elas, Lula lidera com folga de 20 pontos.
Seja agora, ou no segundo turno uma coisa é certa: se a remota chance de reeleição de Bolsonaro soa como alívio, reaproximando o país do caminho da civilidade, o legado de destruição que ele deixa é cruel. E terá um custo altíssimo.
Mary Zaidan é jornalista
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