Num fim de tarde da outra semana, passaram por mim, surgidos do nada. Dois casais negros, soberbos, silenciosos e indiferentes. Ignoraram a minha presença. Só hoje fui informado de que eram da mui respeitável família Carthatidea, o que, para quem não sabe, representa o nec plus ultra da aristocracia viária americana.
Hoje também,
de manhã cedo, quando fui dar de beber aos meus morangueiros – sete frutinhas
bem vermelhinhas me esperavam - vi que tinham
elegido as torres da igreja de Nossa Senhora da Conceição do Boqueirão,
belíssima fachada barroca, para fixar residência. Quatro urubus sobre fundo de
bulbos azulejados.
Você,
leitor, que talvez não tenha nem sessenta anos, coitado, não deve ter
frequentado O Tempo, do Joaquim, lá no Largo do Pelourinho. Uma entranha
estranha, meio templo, meio esconderijo. Undigrundi, este boteco. Decorado com
garrafas de aguardente contendo todo tipo de folhas e bichos, o longo espaço descia
por vários patamares até o quintal onde, no topo de uma coluna, reinava de
poder divino e absoluto, um urubu. Cada manhã, recebia sua oferenda de carne
crua. Bons tempos aqueles, quando se podia comprar carne para dar aos urubus...
Recém-chegado
da Europa, entre tantas coisas jamais por mim imaginadas, fiquei fascinado por
esta ave bizarra de aspecto rebarbativo. E passado quase meio século, eis que quatro
imensos abutres resolveram vir morar por aqui, bem perto. Oh! Amigo! Não me
venha com piada do tipo: “...aguardando sua carniça, véio! ” que não sou parsi
indiano!
Os meus são urubus-de-cabeça-preta (Coragyps atratus). Não é
cultura, sejamos honestos, é Google. E pertencem à família dos condores. Agora,
sim, marquei um ponto contra os que torciam o nariz ao ler meu texto. Urubu não
é chique, mas condor, moça, é muito mais que bolsa Louis Vuitton.
Deitado na
rede, deixo meu olhar seguir o voo lento das imensas asas escuras de extremidades
brancas. Flutuam sem um grito, sem um pio, ao acaso de brisas misteriosas que
mal deslocam a ponta dos galhos da imensa cajazeira. Algumas folhas caem
rodopiando. Uma borboleta branca, outra alaranjada e uma terceira amarela,
inebriadas de vaidade, se amostrando. Algum desfile de moda? Meus negros
vizinhos navegam bem acima do quartel dos fuzileiros navais, descem sem pressa pelos
lados do Moinho Bahia, voltam para posar por breves instantes na cajazeira e,
novamente se lançam ao ar azul, branco e dourado. Diria en passant que se alguém sugerir que estas mal traçadas são como
espelho ao “Os que voam” do Rui Espinheira, charmosa crônica publicada nestas
mesmas páginas, pode até ter razão. Machado de Assis não foi compadre de Eça de Queiroz? E se o mesmo alguém
falar em modéstia, saiba que desprezo irremediavelmente a palavra.
Dimitri Ganzelevitch
1 de outubro 2022
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Antônio Maria radialista, jornalista, compositor parceiro Dolores Durant, amante de Danusa Leão morreu cedo e não conseguiu publicar seu sonhado livro de cônicas Vento Vadio. Recentemente um jornalista conseguiu reunir suas crônicas de jornal e publicar seu livro póstumo.
ResponderExcluirA maioria de sua crônicas, Dimitri, são inéditas e jazem num baú. O que você está esperando para publicar sua crônicas sobre urubus, borboletas e mariposas?
Um abraço
Paulo