quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A MOÇA DE CABELO LONGO

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Loira, longos cabelos tipo propaganda da Avon coroados por óculos de grife, imensas argolas parecendo pulseiras, indispensável bolsa LV, bem acompanhada, ela entrou no restaurante de passo firme, como se de seu reinado se tratasse. Sentou na melhor mesa, no melhor lugar para ser vista, mesmo virando as costas para a linda vista sobre a baia. Antes de encomendar a refeição, escolheu o vinho. Pronto! Escorregou. O vinho sempre depende da refeição. Ao não ser que seja uma safra tão especial, algum chateau de dois mil ou mais a garrafa, nunca, absolutamente nunca, se olha para a carta dos vinhos antes de saber se vai ser peru ou robalo, lagosta ou javali.
Veio o sommelier com cara de arcebispo, retirou a rolha, cheirou le bouquet e agora serve como ritual. Dois dedos só para ela provar. A enóloga, recém-formada nas adegas do Chile com curta temporada nos vinhedos de Chianti, ostensivamente levanta o copo, analisa de olhos semi-fechados a cor do néctar, aproxima a fina narina em silêncio, prova com a ponta dos lábios, passeia a gota na língua, engole como arrependida e, finalmente, com a cabeça faz o sinal de crédito ao vinho proposto. Leve alívio da assistência. Acrescentará: “É encorpado” Todos os vinhos são sempre encorpados, você já notou?

O teatrinho se repete em todos os estabelecimentos da moda. Saber de vinho virou o must dos colunáveis. Alguns capricham no floreado literário com alusões a perfumes de frutas vermelhas ou cogumelos selvagens após a chuva. Nunca verá alguém devolver um vinho por estar madeirizado, bouchonné ou a caminho de vinagre. Irritante? Claro que é, por seu lado “Cheguei!”. Mas, pensando melhor, não será a constatação de uma sociedade que quer evoluir e adquirir outros valores? Quando desembarquei no modesto aeroporto rodeado de dunas e bambus, em 1975, só havia Sangue de Boi, Granja Unhão e Chateau Duvalier. Hoje, até nos supermercados, posso escolher bons vinhos de vários países a preços razoáveis. Inclusive nacionais, a cada ano melhorando. Então vamos perdoar a moça de cabelo comprido?

Dimitri Ganzelevitch

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