Loira, longos cabelos tipo propaganda da Avon coroados por
óculos de grife, imensas argolas parecendo pulseiras, indispensável bolsa LV, bem
acompanhada, ela entrou no restaurante de passo firme, como se de seu reinado se
tratasse. Sentou na melhor mesa, no melhor lugar para ser vista, mesmo virando
as costas para a linda vista sobre a baia. Antes de encomendar a refeição, escolheu
o vinho. Pronto! Escorregou. O vinho sempre depende da refeição. Ao não ser que
seja uma safra tão especial, algum chateau
de dois mil ou mais a garrafa, nunca, absolutamente nunca, se olha para a carta
dos vinhos antes de saber se vai ser peru ou robalo, lagosta ou javali.
Veio o sommelier com cara de arcebispo, retirou a rolha,
cheirou le bouquet e agora serve como
ritual. Dois dedos só para ela provar. A enóloga, recém-formada nas adegas do
Chile com curta temporada nos vinhedos de Chianti, ostensivamente levanta o
copo, analisa de olhos semi-fechados a cor do néctar, aproxima a fina narina em
silêncio, prova com a ponta dos lábios, passeia a gota na língua, engole como
arrependida e, finalmente, com a cabeça faz o sinal de crédito ao vinho proposto.
Leve alívio da assistência. Acrescentará: “É encorpado” Todos os vinhos são
sempre encorpados, você já notou?
O teatrinho se repete em todos os estabelecimentos da moda.
Saber de vinho virou o must dos
colunáveis. Alguns capricham no floreado literário com alusões a perfumes de
frutas vermelhas ou cogumelos selvagens após a chuva. Nunca verá alguém
devolver um vinho por estar madeirizado, bouchonné
ou a caminho de vinagre. Irritante? Claro que é, por seu lado “Cheguei!”. Mas,
pensando melhor, não será a constatação de uma sociedade que quer evoluir e
adquirir outros valores? Quando desembarquei no modesto aeroporto rodeado de
dunas e bambus, em 1975, só havia Sangue de Boi, Granja Unhão e Chateau
Duvalier. Hoje, até nos supermercados, posso escolher bons vinhos de vários países
a preços razoáveis. Inclusive nacionais, a cada ano melhorando. Então vamos
perdoar a moça de cabelo comprido?
Dimitri Ganzelevitch
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