Distanciei-me de qualquer religião antes dos vinte anos e
nestas mais de seis décadas de ateísmo, confesso ter admirado somente dois
papas: João XVIII e o atual Francisco. As atitudes e declarações do argentino
conferem com o nome por ele escolhido. O magrelo de Assis – que muitos
consideraram uma possível reencarnação do Cristo - fez tremer os bastidores do
Vaticano e as riquezas patrimoniais do Cristianismo foram devidamente
questionadas. Idênticas são as posturas do atual papa.
Estive pensando na incoerência de Roma, ao conferir o avanço da
recuperação da igreja da Conceição da Praia, sob o manto protetor do IPHAN, dos
dois imóveis contíguos, agora adaptados para salão de festas dos eventos do
dito templo. Além de lamentar a medonha mediocridade - pedindo perdão pelo
pleonasmo - da solução encontrada para a fachada, discordo em absoluto do uso
do dinheiro púbico para algo de total irreverência para a sociedade.
Especialmente quando nos lembrarmos que estes R$12 milhões e tanto teriam uma
serventia muito mais convincente se investidos na restauração do convento de
São Francisco, prestes a perder muito de seu esplendor, começando pelos
excepcionais azulejos barrocos. Este sim é um monumento da máxima importância
para o patrimônio cultural do Brasil. Outro bem da Igreja – salvo erro meu - que
deveria ter sido há muitos anos adequado para o uso público, é o enorme terreno
da rua da Graça, perto do Largo da Vitória. O centro da capital tem excesso de
imóveis e carência dramática de espaços verdes. Não seria o caso de considerar
a desapropriação de tão importante pedaço de terra para plantar árvores
frondosas à sombra das quais crianças e adultos poderiam brincar e descansar
ouvindo pássaros?
Neste século XXI onde as muitas igrejas cristãs rivalizam sem
piedade para ver qual vai ter mais milhões de fregueses a pagar polpudos
dízimos permitindo pastores andarem de helicóptero pago pelas favelas que
sobrevoam, que tal voltarmos ao ensino de quem andou de jegue até o último
momento? Mas não foi a miragem dos prazeres seculares que convenceu um
arcebispo a vender a primeira catedral do Brasil, outro a abandonar o palácio
da Praça da Sé para uma mansão no Campo Grande e outro a vender esta mesma mansão
para morar num condomínio de luxo, longe dos mendigos, pescadores e marias-madalenas?
Para lembrar a estes mercadores que andam de carro com
motorista quando não de avião particular que o cristianismo deveria ser outra
coisa: De confortável família francesa, Henrique Peregrino da Trindade veio a pé
de São Paulo. Vive e dorme na igreja malconservada perto do fedorento Mercado
do Peixe onde acolhe os esquecidos dos poderes públicos e espirituais.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde 15/6/19
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