Ingratidão: é difícil ser solidário aos humilhados por Bolsonaro
Ricardo Rangel
“Mas acontece que eu não esqueci a sua covardia, a sua ingratidão, a judiaria que você um dia fez pro coitadinho do meu coração.” (Judiaria, Lupicínio Rodrigues)
Paulo Guedes sugeriu a Bolsonaro candidatar-se e tornou-o palatável aos eleitores mais sofisticados, em particular no mercado financeiro e nas camadas mais ricas da população. É um dos principais responsáveis pela candidatura e pela vitória do atual presidente.
Bolsonaro já desautorizou seu ministro publicamente mais de uma vez, e acaba de deixar claro que não tem pressa em aprovar as reformas propostas por ele. Guedes aceitou a humilhação e busca estabilidade bajulando o chefe: já insultou a primeira dama da França, justificou a ameaça do AI-5 feita por Eduardo, tratou como banal a licença para matar que é o excludente de ilicitude.
Guedes está longe de ser o único dos apoiadores de Bolsonaro a ser vilipendiado pelo presidente.
Magno Malta quase foi candidato a vice e correu o Brasil fazendo campanha para Bolsonaro. Perdeu a eleição, foi deixado fora do governo, e ainda passou pela humilhação de ver sua sub feita ministra. Hoje ninguém nem se lembra mais dele.
Luciano Bivar traiu o próprio filho para alugar a legenda a Bolsonaro. O presidente tentou tomar seu partido, jurou-o de morte, ameaça-o com processos, e seus acólitos reúnem um dossiê contra Bivar que inclui até um caso de assassinato de uma mulher grávida.
Gustavo Bebianno, companheiro de primeira hora de Bolsonaro, foi o principal responsável pela organização e execução de uma campanha espetacularmente bem sucedida. Em sua própria definição, era íntimo do presidente a ponto de “sentar de cueca para conversar na beira da cama”. Foi hostilizado e escorraçado logo no início do governo.
Onyx Lorenzoni foi o primeiro e principal parlamentar a dar apoio a Bolsonaro e lutou sem cessar por sua eleição. Foi desautorizado, humilhado e rebaixado pelo presidente. Hoje ninguém sabe o que faz no governo.
Sergio Moro divulgou, de maneira intempestiva, a delação de Palocci, beneficiando o candidato Bolsonaro, com quem -- segundo Mourão e Guedes -- já estava negociando o cargo de ministro. Desde que foi empossado, já foi humilhado publicamente uma dúzia de vezes, e hoje desempenha o papel de despachante, aceitando até servir de correia de transmissão para intimidar os desafetos do chefe.
Augusto Heleno pôs a serviço do então candidato o peso e a respeitabilidade do Exército Brasileiro e sua própria reputação de general de quatro estrelas com folha corrida irretocável. É hoje uma espécie de engraxate de Bolsonaro, e só vem a público para bajular o chefe.
Joice Hasselmann apoiou o presidente desde o início e lhe deu uma enorme quantidade de votos. Provou do próprio veneno quando a máquina de fake news que ajudou a elegê-la voltou-se contra ela, destruindo-a nas redes — é insultada e caluniada diariamente e já perdeu mais de 700 mil seguidores.
Todas essas pessoas conheciam Jair Bolsonaro de perto, sabiam que não era de confiança e que representava uma ameaça à democracia. Mesmo assim, fizeram todo o possível para colocá-lo no Palácio do Planalto.
Não há democrata no Brasil que se solidarize com os auxiliares e ex-auxiliares de Bolsonaro por conta do sofrimento que o presidente lhes impôs e impõe.
Estão colhendo o que plantaram.
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