O escravo paulista, morto em 1811, reconhecido arquiteto 200 anos depois
Esquecido pela história, Tebas restaurou a Catedral da Sé e fez fachadas de igrejas importantes na região central no século XVIII
Por Rafaela Bonilla
No século XVIII, um escravo ficou conhecido por dominar a arte da cantaria, ofício de talhar pedras em formas geométricas para construções, e criar projetos para edificações, principalmente religiosas, no centro da cidade. Além de ter ornamentado a fachada de endereços como a antiga igreja do Mosteiro de São Bento, ele ergueu o primeiro chafariz público da capital, o da Misericórdia, instalado na atual rua Direita.
Lá, ponto de encontro de escravos que iam buscar água para seus senhores, falava-se de um tal de Tebas, nascido em Santos e de provável família africana (de quem, especula-se, teria aprendido as habilidades). Seu nome verdadeiro era Joaquim Pinto de Oliveira, e o chafariz ficou conhecido pelo apelido mesmo após sua morte, em 1811. A peça foi retirada após o processo de canalização de água, em 1886.
Obras como as partes frontais da igreja da Ordem Terceira do Carmo e da igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, ambas no centro, resistem até hoje, mas o nome do profissional se perdeu ao longo da história. O livro Tebas: Um Negro Arquiteto na São Paulo Escravocrata (Abordagens), organizado pelo jornalista Abilio Ferreira e lançado no ano passado, busca trazer à luz essa trajetória.
Apenas em 2018, o prodígio foi considerado oficialmente arquiteto pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (Sasp). “Ele fez a parte mais visível e valorizada de edificações católicas em uma época na qual o Brasil era muito religioso”, diz Ferreira. “E não o conhecíamos. Que outros personagens não foram ocultos nos escombros da história?”
Propriedade de um mestre de obras, Bento de Oliveira Lima, o talentoso Tebas — que valia mais que outros três escravos somados, segundo o inventário do dono — teve no currículo como reforma mais emblemática a da antiga Catedral da Sé, demolida em 1911. Lima morreu antes de o trabalho ser finalizado e sua família, endividada, precisou vender o serviçal para a Igreja. Após a restauração e incentivado pelos religiosos, o arquiteto processou a viúva de Lima e conseguiu sua alforria aos 58 anos. Viveu até os 90 anos, ainda trabalhando no ramo.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 15 de janeiro de 2020, edição nº 2669.
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