A bicha era enorme. Estava tocaiada, enrodilhada, esperando que eu passasse por algum lugar que eu não lembro – meus sonhos raramente têm cenários, mas, são ricos em personagens. E eu vi a cobra! Tinha um tom verde gaio belíssimo e era enorme – pelo menos, era maior que eu.
Num reflexo “BruceLeeano”, quando a bicha saltou para inocular seu veneno no meu corpinho, agarrei-a pelo pescoço. Ok, cobra não tem pescoço, mas, foi exatamente ali que eu a agarrei e chicoteei aquela forma traíra, gosmenta, pernóstica.
A bicha resistia, tentando me alcançar com sua boca peçonhenta – confesso que não conferi se a cabeça era triangular, mas eu olhei na cara dela e vi a pupila em fenda vertical e o cabeção destacado, por isso, achei o pescoço! Bati e pisoteei na bicha, cheia de nojo! No último suspiro, a traíra cuspiu uma gosma verde venenosa na minha perna (eu estava de pijaminha) – pronto, morri (pensei). Corri e lavei a perna com água corrente (não me pergunte como), passei álcool em gel e uma camada poderosa de creme Nívea, acreditando ter inativado o veneno. Olhei o cadáver no chão, liberando o meu mais tosco vocabulário para aquela criatura que ousou acreditar que eu seria uma presa fácil. Eu sou Bibliotecária! (gritei para a morta) e Servidora Pública (acrescentei)! E cuspi, cuspi, cuspi nela.
Acordei com o Guido olhando para mim. Guido é o cachorrinho da minha filha que está comigo, nesta etapa da quarentena. Olhei para o relógio: madrugada. Minhas mãos doíam pelos golpes dados no sonho e a camiseta do meu pijama estava toda cuspida! Acho que Guido testemunhou a matança da cobra.
Abri meu sempre presente Dicionário de Sonhos Zolar (sem chance para Freud e Jung!): “uma cobra enrodilhada: escapará ao perigo”; “uma cobra pronta a desferir bote: traição de quem menos se espera”; “matar uma cobra: obterá vitória contra os inimigos”; “a cor verde: boa sorte”; [qualquer coisa] verde: recursos abundantes”. Fiquei decepcionada porque desconheço qualquer inimigo, acho que sorte não existe, meus recursos já me bastam e se eu for traída, com certeza, perderei um amigo porque “inimigo não trai”.
Peguei o celular e dei uma “googlada” rápida: cobra é um animal rico em significados, às vezes contraditórios. Pelo lado negativo, simboliza engano, mentira, destruição; pelo lado positivo, transformação, sabedoria, superação.
Bastou. Lavei o rosto, troquei de roupa, fiz um carinho no Guido e voltei para cama, pensando nas mentiras que ouvi num discurso pela TV, no vírus que avança em efeitos colaterais e nas cobras da Amazônia e do Pantanal em chamas... Demorei para dormir.
ANA VIRGÍNIA PINHEIRO
Sobre a Imagem: gravura de folheto flamengo (Leiden, 1706), semelhante aos de literatura de cordel, que narra uma aventura do pirata e explorador inglês Sir Richard Hawkins (1562-1622). O folheto dá notícia dos perigos enfrentados nos rios da Amazônia, cheios de cobras capazes de abocanhar e engolir um homem inteiro – do acervo da nossa Biblioteca Nacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário