“Era lógico que isso iria acontecer”, diz procurador que investigou o desastre de Mariana sobre rompimento de barragem da Vale em Brumadinho
Consuelo Dieguez
"Desde o rompimento de Fundão nada foi feito para evitar que esse tipo de desastre aconteça”, afirmou o procurador Carlos Eduardo Ferreira Pinto, chefe da força-tarefa que investigou o rompimento em 2015 da barragem do Fundão, em Mariana, ao tomar conhecimento do novo desastre, desta vez em Brumadinho, também em Minas Gerais. “Era lógico que isso iria acontecer”, ele disse, referindo-se à falta de ações para prevenir os acidentes. Até o início da noite desta sexta-feira, sete mortos haviam sido confirmados e 200 pessoas estavam desaparecidas, atingidas por 12 milhões de metros cúbicos de lama. Na tragédia de Mariana, foram 19 mortos, soterrados pelo vazamento de 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Em ambos os casos, a empresa Vale é a responsável pelas barragens – a de Mariana pertence à Samarco, controlada pela Vale e pela mineradora anglo-australiana BHP Billiton. Se os 200 desaparecidos nesta sexta não forem encontrados vivos, a tragédia de Brumadinho terá provocado dez vezes mais mortos que a de Mariana.
Após o rompimento de Fundão em 2015, segundo o procurador Ferreira Pinto, foram criadas três comissões extraordinárias – uma na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, uma na Câmara dos Deputados e outra no Senado – para propor uma legislação mais rígida no controle de barragens. Nenhuma das três comissões, segundo ele, apresentou qualquer resultado. As barragens, ele disse, continuam funcionando sem um sistema de segurança que impeça a lama de se espalhar pelo meio ambiente, como ocorreu com o Fundão.
O procurador Ferreira Pinto afirmou que não há muito o que especular sobre as causas de rompimento de barragens desse tipo. “Uma barragem rompe porque entra água na sua estrutura. Simples assim”, afirmou. “E isto só é possível por descuido da empresa e falta de fiscalização das autoridades e de consultorias independentes”. No curso de suas investigações sobre o caso, o procurador foi afastado da força-tarefa e transferido para um posto no interior do estado.
Embora afastado do caso de Fundão, o procurador continua acompanhando as barragens em Minas Gerais. Segundo ele, desde o desastre de 2015, nada foi feito no estado para aumentar a fiscalização e estabelecer normas para o funcionamento mais seguro de barragens. “Minas Gerais, com mais de 400 barragens, continua com uma fiscalização pífia, com pouquíssimos fiscais, em torno de uma dezena, para tomar conta de todas essas estruturas.”
O estado, segundo ele, continuou dando autorização para criação de novas barragens e não endureceu as regras de funcionamento dessas estruturas, como foi defendido pela força-tarefa, à época do rompimento de Fundão. “Ao contrário, o que temos visto é uma pressão cada vez maior por flexibilização das concessões para funcionamento de novas barragens”, afirmou. “É uma completa irresponsabilidade. Tanto das empresas, quanto dos governos do estado e Federal.”
Ainda não se sabia, no começo da tarde de sexta-feira, 25, qual o caminho que a lama de minério percorreria. De qualquer forma, dependendo do tamanho do acidente, Ferreira Pinto explicou que a lama pode invadir o reservatório do rio Manso, que abastece Belo Horizonte, e também correr em direção ao rio Paraopebas e desaguar no São Francisco, que atravessa Minas, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. “Um roteiro que parece repetir o que aconteceu em Mariana, em 5 de novembro de 2015.”
Naquele acidente, a lama invadiu o rio Gualaxo do Norte e seguiu sem nada que a contivesse para o rio Doce. Após percorrer 660 quilômetros, chegou até o mar, destruindo a biodiversidade por onde passou. Até hoje, a região degradada está longe de ter sido recuperada pelas ações da Vale e BHP Billiton.
Após o acidente em Brumadinho, a Vale soltou uma nota curta sobre o rompimento da barragem. “A Vale informa que ocorreu, no início da tarde de hoje, o rompimento de uma barragem na Mina do Feijão, em Brumadinho. As primeiras informações indicam que os rejeitos atingiram a área administrativa da companhia e parte da comunidade da Vila Ferteco.” A empresa admitiu na nota a possibilidade de vítimas. “Havia empregados na área administrativa, que foi atingida pelos rejeitos, indicando a possibilidade, ainda não confirmada, de vítimas.” Até o fim da tarde desta sexta-feira, não havia confirmação das causas do rompimento. “A prioridade da Vale, neste momento, é preservar e proteger a vida de empregados e integrantes da comunidade. A companhia vai continuar fornecendo informações assim que confirmadas”, afirmou a empresa.
Em grupos de WhatsApp de médicos de Minas Gerais, as informações que circulavam era de um quadro mais dramático. “[Os hospitais] João XXIII e Odilon já acionaram plano de catástrofe. Admissões e atendimentos apenas de vítimas das catástrofes. Altas precoces das enfermarias e esvaziamento dos CTIs.”
Por volta das 17 horas, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, em entrevista coletiva à imprensa, pediu desculpas pelo acidente. “Não tenho palavras para descrever o meu sofrimento, a minha enorme tristeza com o que acaba de acontecer. É algo acima de qualquer coisa que eu pudesse imaginar”, declarou. Em seguida, afirmou que, após o desastre de Mariana, há três anos, a empresa fez um esforço tecnológico “imenso” para deixar suas barragens estáveis e seguras. Informou ainda que a estrutura estava sendo desativada como barragem de rejeito e que estava sendo monitorada.
Técnicos da área de mineração explicaram à piauí que embora estivesse sendo desativada como barragem de rejeito de minério, a estrutura recebeu, no ano passado, autorização para se transformar em produtora de pelotas de ferro, com grande cotação no mercado internacional. Não há nada de errado com esse procedimento. No entanto, essas barragens têm que ser permanentemente monitoradas. No caso da de Feijão, segundo a própria Vale, a medição tinha se dado dias antes de seu rompimento. O executivo disse ainda que, um mês antes do rompimento, foi feita uma vistoria na estrutura, sem que se tivesse constatado problemas.
Schvartsman disse aos jornalistas que, em termos de perdas de vidas humanas, este novo desastre foi mais grave que o de Fundão, mesmo que em termos ambientais o impacto tenha sido menor. Ele disse que esperava o fim da tempestade que desabou no Rio no final da tarde para seguir para Brumadinho.
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PS: Esta reportagem foi atualizada às 22h40 de sexta-feira, 25 de janeiro, para incluir declarações do presidente da Vale, Fabio Schvartsman, concedidas em coletiva de imprensa.