Caso Pavesi: médico acusado por morte e retirada ilegal de órgãos de criança é condenado a 21 anos de prisão
O Tribunal do Júri começou nesta segunda-feira (18) e sentença saiu nesta terça. O pedido de recurso em liberdade foi negado pela 'gravidade do crime', disse o juiz.
Por Gabriel Senna, TV Globo e g1 Minas — Belo Horizonte
Álvaro Ianhez, um dos médicos acusados pela morte e retirada ilegal de órgãos do menino Paulo Veronesi Pavesi, em abril de 2000, em Poços de Caldas, no Sul de Minas, foi condenado por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e pelo fato de a vítima ter menos de 14 anos.
A pena é de 21 anos e oito meses de prisão em regime fechado (veja no vídeo acima).
A sentença foi proferida por volta das 15h30 desta terça-feira (19). A sessão, no Tribunal do Júri, em Belo Horizonte, começou na segunda-feira (18). Ela foi suspensa por volta das 20h e retomada nesta manhã.
O pedido da defesa para que o réu pudesse recorrer em liberdade foi negado devido à "gravidade do crime", segundo o juiz que presidiu o tribunal. Atualmente, ele está em São Paulo.
De acordo com da Justiça mineira, o magistrado Daniel Leite Chaves determinou na sentença a expedição da guia de execução provisória. Na manhã desta quarta-feira (20), a assessoria informou que o mandado de prisão ainda não havia sido expedido.
Segundo a denúncia do Ministério Público, Ianhez foi um dos médicos que causaram a morte da criança de 10 anos, que estava sendo atendida no hospital da Santa Casa de Misericórdia de Poços de Caldas depois de sofrer traumatismo craniano. O objetivo desses médicos, segundo o MP, era usar os órgãos de Pavesi em outros pacientes (leia detalhes sobre o caso mais abaixo).
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Médico Álvaro Ianhez (imagem de arquivo) — Foto: Arquivo EPTV/ TV Globo
"Esse resultado é uma gota de alento em um mar de tanta dor, de tanta impunidade", disse o promotor Giovani Avelar Vieira.
A defesa disse vai recorrer da decisão e que vai entrar com um pedido de habeas corpus para que ele responda em liberdade.
"Nós respeitamos a decisão mas ela é contrária à prova dos autos", falou o advogado do médico, Luiz Chimicatti.
Depoimentos virtuais
O júri começou com o depoimento da única testemunha de acusação, o pai do menino, Paulo Airton Pavesi. Depois, cinco testemunhas de defesa foram ouvidas.
Por fim, foi a vez do interrogatório do réu. Todas as testemunhas e o réu foram ouvidos virtualmente.
Álvaro Ianhez estava em São Paulo, em endereço particular. Havia testemunhas de defesa em Poços de Caldas, Campinas (SP), Porto Alegre (RS) e Cruzília, no Sul de Minas. O pai de Pavesi estava em Milão, na Itália.
O julgamento foi retomado nesta terça com alegações da acusação e da defesa.
A acusação abriu a fase de debates, falando por 1 hora e trinta minutos. Por volta das 10h40, a defesa iniciou as alegações. Ainda houve réplica e tréplica.
Em seguida, os jurados tomaram sua decisão. Quatro mulheres e três homens compunham o conselho de sentença.
O que diz a denúncia
Há exatamente 22 anos, o garoto deu entrada na Santa Casa, ainda com vida. Ele morreu dois dias depois, no dia 21 de abril, quando os médicos acusados atestaram sua morte encefálica.
"Essa foi uma das diversas irregularidades ocorridas no atendimento ao garoto, pois, como interessados no transplante de órgãos, havia vedação legal para que eles atuassem na constatação da morte do paciente", informou o Ministério Público de Minas.
Segundo a denúncia do Ministério Público, Álvaro e outros acusados agiram com intenção de forjar e documentar a morte de Paulo Pavesi para a retirada ilegal de órgãos.
"Ele [Ianhez] é o médico responsável pela retirada dos órgãos. Ele era o médico que era o diretor da Santa Casa onde se fazia o transplante de órgãos. Ele é o dono da clínica onde era feito o transplante ilegal de rim", disse o advogado da família, Dino Miraglia.
"Ele estava presente desde a hora que em que ele (Pavesi) foi transferido de um hospital para outro sem a menor necessidade e quando anestesiaram o menino pra fazer retirada de órgão. Se o menino estava com morte cerebral, para que anestesiou? Anestesiou porque não tinha morte cerebral. Se não tinha morte cerebral, não podia ter transplante", completou o advogado.
O julgamento de Álvaro deveria ter ocorrido em outubro do ano passado, mas foi adiado após o médico dispensar os oito advogados que trabalhavam em sua defesa.
O processo dele foi desmembrado dos outros médicos acusados devido a um agravo que deveria ser julgado.
Em janeiro de 2021, outros dois médicos, José Luiz Gomes da Silva e José Luiz Bonfitto, foram condenados a 25 anos de prisão. Já Marcos Alexandre Pacheco da Fonseca foi absolvido pelo júri.
Caso Pavesi
O caso Pavesi ganhou repercussão nacional no ano 2000, quando os médicos José Luis Gomes da Silva, José Luis Bonfitto, Marco Alexandre Pacheco da Fonseca e Álvaro Ianhez foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado de Paulo Veronesi Pavesi, que na época tinha 10 anos.
Paulinho Pavesi morreu aos 10 anos após cair, passar por cirurgia e ter os órgãos removidos — Foto: Paulo Pavesi/ Arquivo Pessoal
Conforme a Justiça, os quatro médicos teriam sido responsáveis por procedimentos incorretos na morte e remoção de órgãos do garoto, após ele cair de uma altura de 10 metros no prédio onde morava.
O exame que apontou a morte cerebral teria sido forjado, e o garoto ainda estaria vivo no momento da retirada dos órgãos.
Os quatro negam qualquer irregularidade, tanto nos exames quanto nos transplantes aos quais o garoto foi submetido. O caso foi desmembrado e transferido de Poços de Caldas para Belo Horizonte em agosto de 2014, a pedido do Ministério Público, para evitar a influência econômica e social dos médicos sobre os jurados.
Outros condenados
Outros três médicos acusados de participação no caso, Sérgio Poli Gaspar, Celso Roberto Frasson Scafi e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes, chegaram a ser condenados em 1ª instância em 2014 por participação no caso.
A sentença foi anulada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em maio de 2016, que entendeu que o caso deveria ter sido julgado por um júri popular, e o processo retornou para Poços de Caldas.
Em setembro de 2021, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal restaurou a sentença original que condenou os três médicos. Isto aconteceu porque, por 3 votos a 1, o STF decidiu que o crime de remoção de órgãos não deve ser julgado por júri popular, e sim, pela vara criminal responsável.
No recurso ao STF, o Ministério Público disse considerar que o caso é de competência da Vara Criminal e que, por isso, a condenação dos médicos era válida. O MP argumenta que o crime de remoção de órgãos é previsto na Lei de Transplantes, e que a morte deve ser vista como uma "consequência" no julgamento desse crime específico.
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