Paulo Ormindo de Azevedo
Salvadolores vista do alto parece um assoalho esburacado cheio de caminhos cobertos por onde circulam milhares de cupins operários em busca de alimento e trabalho. Não há cidade no mundo com tantos viadutos e elevados. Há passarelas quilométricas e apinhadas de acesso ao trem suburbano e outras por onde não passa ninguém. A prioridade não é o cidadão, é o condutor solitário de um veiculo ultrapassado. Política desastrada de sucessivas administrações municipais.
Brasília foi uma cidade projetada para o carro, com trevos em todos os cruzamentos. Logo apareceram os semáforos. O Eng. Cristovam Buarque, que governou a cidade entre 1995 e 1998, baixou uma lei que bastava um pedestre colocar o pé no asfalto e os carros paravam. A cidade não parou, se humanizou. Salvador hoje é o contrario, é uma autopista em que os carros não param nem para um deficiente.
Concebidas pelo arquiteto Lelé para ligar cumeadas numa cidade com vales profundos, as passarelas foram transformadas em substitutos dos semáforos. Em qualquer cidade civilizada do mundo, o trafego veicular é intermitente ao ritmo dos semáforos, o que não impede de ter ondas verde de fluxo continuo de veículos. Nelas, pedestres podem atravessar cômoda e seguramente a rua sem precisar se arriscar a ser atropelado ou ter que subir em um poleiro a 5 m. de altura para cruzar uma rua.
A novidade de Salvadolores é uma autopista tobogã cuja primeira etapa já está engarrafada. Nenhuma cidade brasileira faz mais minhocões, que só ligam dois pontos engarrafados. Nossos administradores não entendem que quanto mais facilidade se der ao carro mais aumenta a frota e os engarrafamentos. Para sua realização, os cupins-reais, que abrem os caminhos, destruíram canteiros centrais, cortaram milhares de árvores, mataram os pássaros, cobriram rios e impermeabilizaram o solo de numa cidade que não resiste às chuvas.
Invenção curitibana dos anos 60, quando os ônibus tinham assoalhos altos e não existia o cartão tíquete, o BRT atrasado de Salvador não incorporou nenhuma das flexibilisações por que passou o modal. Continua com gaiolas fechadas e pista bloqueadas por muretas de concreto. Decidido sem ouvir o contraditório técnico, está sendo iniciado uma segunda etapa do malfadado projeto, com os mesmos impactos ambientais e urbanos. Tudo escondidinho por taipais para não se ver a devastação do meio ambiente.
Protestos da comunidade quando do inicio das obras foram reprimidos pelas autoridades. Há uma diferença entre a sociedade humana e a geneticamente estratificada dos insetos, como as saúvas e os cupins. O cidadão não pode ser considerado um pária sem direitos, nem voz, que só atrapalha o tráfego. Os viadutos e passarelas se transformaram em instrumento de descriminação social, a ditadura do pneu faixa branca sobre o pé de chinelo Havaiana.
SSA: A Tarde de 17/04/2022
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