sexta-feira, 29 de abril de 2022

VIVER NO CENTRO HISTÓRICO

 


Quando cheguei a Salvador, em 1975, morei por uns meses a cem metros do Porto da Barra. Mas com a abertura de minha Galeria da Sereia no Largo do Pelourinho, 12 – no térreo da então sede do IPAC – pensei ser mais conveniente residir no mesmo bairro. Achei uma pequena cobertura na vizinha Rua do Passo. Um terraço oferecia uma vista privilegiada sobre a igreja dos Homens Negros e outro sobre a baía.

Dez anos depois comprei na Rua Direita de Santo Antônio o casarão que abrigara a Hora da Criança. Bons fluidos, ventilação natural, luminosidade, grandes espaços e, de novo, uma generosa vista sobre o porto e as ilhas.

Na época eu era um pouco colunável; ninguém é perfeito. Mas como era mal recebida, nos coquetéis e jantares, a perturbadora informação de que este galerista francês, seu servidor, morava no centro histórico!

Alguma coisa começaria a mudar quando abri minhas portas para os jantares “table d´hôte” das quintas-feiras, seguindo a sugestão da saudosa Eva Adler, nossa querida consulesa da Áustria. De repente, o bairro de Santo Antônio começou a mostrar sua cara e seus encantos, enquanto o Pelourinho, mal restaurado, se resumia a mero cartão postal para turistas, soteropolitanos torcendo o nariz.

Por minha casa passaram então, alguns mais de uma vez, Caetano e Gil com Regina Casé e Marieta Severo, Fernando Morais e Zubin Mehta, Carybé, Jaqueline Bisset, Curt Jurgens e todos os secretários de estado com seus costumeiros agregados. Sair da Barra, do Horto Florestal ou da Pituba para passar duas horas por estas bandas começou a ser possível com gostinho de ousada aventura.

O tempo passou. Uma loirinha abonada pretendeu abrir boutiques e bares para os vips amigos. Narcisa gritou no Copa “Adoro o Santo Antônio”, mas só veio duas vezes e nunca mais falou nisso. Baianos novos, depois de italianos, ingleses e paulistas, paz e amor, finalmente vieram rejuvenescer o ambiente do antigo bairro abrindo restaurantes, lojas e pousadas.

Começaria então a inevitável e perigosa gentrificação da via que inicia no largo do Carmo para terminar na Ladeira do Baluarte. Estrelas e deslumbrados vindos de Botucatu, Aporema ou Petrolândia, acharam ma-ra-vi-lho-so possuir uma casa no Saint Anthony, pedindo ao arquiteto do momento algo em harmonia com sua celebridade. Discreto, please, ma non troppo.

Agora vem a pedra na havaiana dos moradores: estes antenados que brilham com todas as purpurinas e os paetês nos flashes dos influencers, vêm aqui passar uma semana, um feriado, organizando alegres encontros. E vão embora, deixando a casa entregue a um caseiro ou fechada durante meses.

E nós, que aqui vivemos há anos, faça sol ou chuva, vamos ter que morar num bairro fantasma e, mal policiado, perigoso?

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 30 de abril 2022

Um comentário:

  1. Leiam o meu artigo de amanhã em A Tarde ou no meu face-book O Centro Antigo já foi assim

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