Quando cheguei a Salvador, em 1975, morei por uns meses a cem metros do Porto da Barra. Mas com a abertura de minha Galeria da Sereia no Largo do Pelourinho, 12 – no térreo da então sede do IPAC – pensei ser mais conveniente residir no mesmo bairro. Achei uma pequena cobertura na vizinha Rua do Passo. Um terraço oferecia uma vista privilegiada sobre a igreja dos Homens Negros e outro sobre a baía.
Dez anos
depois comprei na Rua Direita de Santo Antônio o casarão que abrigara a Hora da
Criança. Bons fluidos, ventilação natural, luminosidade, grandes espaços e, de
novo, uma generosa vista sobre o porto e as ilhas.
Na época eu
era um pouco colunável; ninguém é perfeito. Mas como era mal recebida, nos
coquetéis e jantares, a perturbadora informação de que este galerista francês,
seu servidor, morava no centro histórico!
Alguma coisa
começaria a mudar quando abri minhas portas para os jantares “table d´hôte” das
quintas-feiras, seguindo a sugestão da saudosa Eva Adler, nossa querida
consulesa da Áustria. De repente, o bairro de Santo Antônio começou a mostrar
sua cara e seus encantos, enquanto o Pelourinho, mal restaurado, se resumia a
mero cartão postal para turistas, soteropolitanos torcendo o nariz.
Por minha
casa passaram então, alguns mais de uma vez, Caetano e Gil com Regina Casé e
Marieta Severo, Fernando Morais e Zubin Mehta, Carybé, Jaqueline Bisset, Curt
Jurgens e todos os secretários de estado com seus costumeiros agregados. Sair
da Barra, do Horto Florestal ou da Pituba para passar duas horas por estas
bandas começou a ser possível com gostinho de ousada aventura.
O tempo
passou. Uma loirinha abonada pretendeu abrir boutiques e bares para os vips
amigos. Narcisa gritou no Copa “Adoro o Santo Antônio”, mas só veio duas vezes
e nunca mais falou nisso. Baianos novos, depois de italianos, ingleses e
paulistas, paz e amor, finalmente vieram rejuvenescer o ambiente do antigo
bairro abrindo restaurantes, lojas e pousadas.
Começaria
então a inevitável e perigosa gentrificação da via que inicia no largo do Carmo
para terminar na Ladeira do Baluarte. Estrelas e deslumbrados vindos de Botucatu, Aporema ou Petrolândia, acharam ma-ra-vi-lho-so possuir uma
casa no Saint Anthony, pedindo ao arquiteto do momento algo em harmonia com sua
celebridade. Discreto, please, ma non troppo.
Agora vem a
pedra na havaiana dos moradores: estes antenados que brilham com todas as
purpurinas e os paetês nos flashes dos influencers, vêm aqui passar uma semana,
um feriado, organizando alegres encontros. E vão embora, deixando a casa
entregue a um caseiro ou fechada durante meses.
E nós, que
aqui vivemos há anos, faça sol ou chuva, vamos ter que morar num bairro
fantasma e, mal policiado, perigoso?
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, sábado 30 de abril 2022
Leiam o meu artigo de amanhã em A Tarde ou no meu face-book O Centro Antigo já foi assim
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