domingo, 16 de abril de 2023

STEFAN ZWEIG

 Stefan Zweig, Budapest e a Bahia

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O Oscar 2015 evidenciou o filme O Grande Hotel Budapeste, baseado na obra de Stefan Zweig, um dos maiores biógrafos do século XX. Um escritor controverso, um dia recepcionado pelos baianos com muito carinho e admiração na sua curta estada entre nós, hoje praticamente esquecido, apesar de ter sido um dos grandes propagandistas de nossas tradições, na sua obra Brasil, País do Futuro, mote que já sustentou e sustenta até hoje o discurso fundado na expectativa de um país melhor.
Os baianos retribuíram a admiração do escritor pela terrinha com a inauguração de um busto na sua homenagem, retirado recentemente na reforma da Barra, quero crer que tenha sido recolocado em lugar igualmente nobre.
Stefan Zweig aportou em Salvador no verão de 1941, então residia em Petrópolis como refugiado da II Guerra Mundial pela sua condição de judeu. Homem rico e famoso que terminou seus dias depressivo, matou-se ingerindo uma superdose de barbitúricos.
Zweig se dispôs a ir para a Festa do Bonfim na condição de um intelectual ansioso por entender o significado do evento, chegou de lápis em punho e um bloco de anotações, fez perguntas às baianas, ouviu ambulantes e o público e nessa sua pesquisa social foi descoberto pela imprensa que quis saber o que tanto escrevia: “Só uma coisa não sei anotar: esse azul maravilhoso do céu e do mar da Bahia”, respondeu.
O homem frio, sisudo, circunspecto, foi seduzido pelo calor humano. Sobre a Lavagem do Bonfim escreveu: “Uma festa da cidade inteira e uma das mais impressionantes que vi em toda a minha vida”. Então descreve o cortejo, a participação popular, as explosões de júbilo e revela: “Não posso deixar de confessar que alguma coisa dessa sofreguidão e desse sentimento se transmitiu em mim”. Chegando na Colina e conferindo o ritual da lavagem do adro observou: “Um verdadeiro delírio, a mais violenta histeria coletiva que até hoje tive ocasião de observar”.
No calor da festa, empolga-se de tal jeito que não se constrange em admitir: “Havia algo de violentamente arrebatador e contagioso nessa lavação cheia de gozo, que não tive certeza de que se me achasse no meio daqueles exaltados, não agarrasse uma das vassouras”. A exaltação referida pelo notável escritor nada mais era do que a fé e folia dos baianos, o sentimento de devoção festiva, naquele tempo muito mais autêntico.
As impressões do escritor correram o mundo e não há como ignorar a sua influência na construção do imaginário coletivo da festa. Foi um propagandista privilegiado, o mais relevante relato, até então, desde as impressões do príncipe Maximiliano de Habsburgo na sua também exaltada passagem por Salvador no verão de 1860.
Foi na década de 1940, no tempo da visita do famoso escritor, que o Bonfim ganhou maior visibilidade. Tornou-se festa midiática, divulgada na então maior revista em circulação do país, O Cruzeiro, em reportagens do escritor e diretor dos Diários Associados, Odorico Tavares, ilustradas com fotos de Pierre Verger.
Em Brasil, País do Futuro, Zweig descreveu o sincretismo religioso com um misto de preconceito e ao mesmo tempo admiração: “O segredo da Bahia está no fato de nela, por influência hereditária, o que é religioso misturar-se misteriosamente no sangue com o que é gozo, no fato de a expectação sôfrega e a exaltação monótona provocarem, sobretudo nos crioulos e mestiços, tal inesperada facilidade de inebriar-se"
"Não é por acaso que a Bahia é a cidade dos candomblés e das macumbas, em que velhos ritos africanos cruentos se combinam de maneira singularíssima com fanatismo pelo que é católico. Muito se tem escrito acerca dessas macumbas, e todo forasteiro jacta-se de, graças a um amigo, haver visto uma macumba ‘verdadeira’”.

Nelson Cadena
Publicado originalmente no Correio * no verão de 2015.
Foto de A Tarde, reinauguração do monumento ao escritor, por ocasião de seu centenário de nascimento, em novembro de 1981.

COMENTÁRIO DO BLOGUEIRO.- Me emocionei ao rever, depositando as flores, minha velha e querida amiga Eva Adler, consulesa da Áustria. Muita falta nos faz...

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