Colecionador desde os quatorze anos de idade, tenho especial apreço em visitar museus constituídos a partir das aquisições de quem dedicou anos de sua vida aos objetos de seu desejo. Existem vários perfis de colecionar. Richard Wallace, de filho ilegítimo a mecenas, casou com uma colecionadora. Acabou dando seu nome a um dos mais belos museus de Londres. Já o armênio Calouste Gulbenkian, “Monsieur 5%”, soube juntar o melhor da Europa e da Ásia, sem medo até de contrariar interesses nacionais, como no caso da Diana Caçadora do francês Jean Houdon.
Embora a coleção tenha começado com o avô, continuando com o pai, não
consegui afinar com o museu madrileno do barão Hans-Heinrich
Thyssen-Bornemisza, cujo componente principal me parece ser a ostentação. Mesma
motivação encontro no equilibrista português Joe Berardo. A ambição
de ser levado a sério como mecenas chegou ao absurdo na Quinta da Bacalhôa.
Mesmo assim é incontornável uma visita à belíssima mansão dos séculos XV e XVI
em Azeitão.
A outro universo pertencem os numismatas, malacólogos e filatelistas.
Universos secretos, quase de pesquisa científica. Raramente aparecem em
manchetes de jornais ou noticiários de televisão, apesar de também terem seus
tesouros.
Sem chegar a sombra do calcanhar dos nomes citados, nas minhas buscas
pelo objeto, tal a centopeia, tenho pés no acadêmico, pés no popular, outros no
contemporâneo e mais outros nas expressões fora das normas. Assim que,
quando entrei na casa de Eva Klabin, à beira da Lagoa de Freitas, foi um pouco
como encontrar uma velha parente. Também era dona de olhar eclético, com o
privilégio de uma situação financeira confortável. Enquanto
eu vasculho a Feira da Ladra e a Benedito Calixto, ela empurrava as
portas dos antiquários da Rive Gauche e de Mayfair e sentava nas cadeirinhas
douradas da Sotheby´s.
Fui passeando de sala em sala como nas alamedas de um jardim de
essências raras, até me deparar com o tímido sorriso de um adolescente velho de
3.500 anos. Por que caminhos este fragmento de sarcófago egípcio fora descansar
numa vitrine da Sala Renascença? A vida dos objetos é permanente
incógnita. Alguns têm morte prematura. Quebram ou queimam. Outros passam de mão
em mão. Mudam de cidade e de continente. São esquecidos e redescobertos.
Quem foi o belo rapaz, irmão do Tadzio da Morte em Veneza e da
Gioconda do Leonardo? Os grandes olhos de marfim e ébano, levemente
amendoados, me olham com candor. O ouro desapareceu, deixando aparente a
madeira mais escura, parecida com sua pele. Debaixo do amplo turbante que pesa
sobre as orelhas, adivinho o cabelo farto e talvez crespo. Como o resto do
sarcófago desapareceu, posso contemplar o garoto como se ainda estivesse
vivo...
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