... NO TRAPICHE BARNABÉ
Na noite do
3 de outubro, tocada por misteriosa varra de condão, uma parte do sonolento Comércio
de repente acordou sob as luzes de mil spots. Em vez de Palácio da Bela
Adormecida, as antigas paredes de pedra à la Machu Pichu do Trapiche Barnabé e
no papel do Príncipe Encantado, o quase cinquentão premiado no Festival de
Cannes, Wagner Moura, que dominaria com brilho o severo palco/tribunal. A
classe de teatro todinha e afins, de repente se sentindo prestigiada, após tão
longa hibernação respondeu presente. Só faltou – faltou mesmo? - o Secretário
Estadual “O noivo” de Cultura e seus dois fotógrafos. Medo de vaias?
Quem tinha
dificuldade de locomoção, usou do amplo elevador para chegar sem problema ou
demora até a Sala Grande onde uma arquibancada com 320 assentos estava montada.
Tive direito a assento privilegiado na segunda fila, não fosse o dito assento
recheado com algo parecido com pedrinhas. Duas horas e meia “de relógio” que deixaram
o público ligadíssimo na confrontação ideológica de dois irmãos, um defendendo
a saúde de seu vilarejo, o outro, tipo Bolsonaro, mais preocupado, custe o que
custar, com o imediatismo da reprovação popular. A obra “O inimigo do povo” (1882)
do norueguês Henrik Ibsen foi a base que inspirou os autores.
A direção certeira de Christiane Jatahy evitou carregar nos
efeitos dramáticos. A cena da luta física entre os dois principais
protagonistas impressionou pelo realismo. Resumindo: quem teve a sorte de
assistir, dificilmente esquecerá a excelência do momento. Teatro com T maiúsculo
mesmo.
Acompanho a longa batalha do Bernard Attal desde a compra do
trapiche, em 2005 até esta primavera de 2025. O espetacular resultado se torna
mais espetacular ainda quando se sabe da indiferença dos poderes públicos, para
não falar em má vontade como no caso da Coelba se recusando a assumir suas
responsabilidades, mesmo com a eventualidade de morte. Agora todos virão com
propostas miríficas, poucas com real sustentabilidade.
A luta não acabou. O patrocínio é do Banco do Brasil, mas não
só. É uma parceria devidamente acordada com o Trapiche Barnabé. Então por que
absolutamente nunca a dita parceria é mencionada, nem na divulgação, nem mesmo
no catálogo? Aliás este catálogo me pareceu mal resolvido. Muito escuro, de
leitura impossível à noite, longe de forte iluminação.
Durante vinte anos o cineasta franco-baiano soube concentrar-se,
enfrentando mil obstáculos, na recuperação do singelo edifício. O espaço agora
proposto ao mercado é só uma parte do projeto de Bernard. Ainda falta muito
para terminar a reocupação total do conjunto.
Resta aplaudir a corajosa visão empresarial, desejando que
ela indique o caminho a outros investidores no Comércio. Vale muito a pena.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, sábado 18 de outubro 2025

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