sexta-feira, 17 de outubro de 2025

WAGNER MOURA...

... NO TRAPICHE BARNABÉ


Na noite do 3 de outubro, tocada por misteriosa varra de condão, uma parte do sonolento Comércio de repente acordou sob as luzes de mil spots. Em vez de Palácio da Bela Adormecida, as antigas paredes de pedra à la Machu Pichu do Trapiche Barnabé e no papel do Príncipe Encantado, o quase cinquentão premiado no Festival de Cannes, Wagner Moura, que dominaria com brilho o severo palco/tribunal. A classe de teatro todinha e afins, de repente se sentindo prestigiada, após tão longa hibernação respondeu presente. Só faltou – faltou mesmo? - o Secretário Estadual “O noivo” de Cultura e seus dois fotógrafos. Medo de vaias?

Quem tinha dificuldade de locomoção, usou do amplo elevador para chegar sem problema ou demora até a Sala Grande onde uma arquibancada com 320 assentos estava montada. Tive direito a assento privilegiado na segunda fila, não fosse o dito assento recheado com algo parecido com pedrinhas. Duas horas e meia “de relógio” que deixaram o público ligadíssimo na confrontação ideológica de dois irmãos, um defendendo a saúde de seu vilarejo, o outro, tipo Bolsonaro, mais preocupado, custe o que custar, com o imediatismo da reprovação popular. A obra “O inimigo do povo” (1882) do norueguês Henrik Ibsen foi a base que inspirou os autores.

A direção certeira de Christiane Jatahy evitou carregar nos efeitos dramáticos. A cena da luta física entre os dois principais protagonistas impressionou pelo realismo. Resumindo: quem teve a sorte de assistir, dificilmente esquecerá a excelência do momento. Teatro com T maiúsculo mesmo.

Acompanho a longa batalha do Bernard Attal desde a compra do trapiche, em 2005 até esta primavera de 2025. O espetacular resultado se torna mais espetacular ainda quando se sabe da indiferença dos poderes públicos, para não falar em má vontade como no caso da Coelba se recusando a assumir suas responsabilidades, mesmo com a eventualidade de morte. Agora todos virão com propostas miríficas, poucas com real sustentabilidade.

A luta não acabou. O patrocínio é do Banco do Brasil, mas não só. É uma parceria devidamente acordada com o Trapiche Barnabé. Então por que absolutamente nunca a dita parceria é mencionada, nem na divulgação, nem mesmo no catálogo? Aliás este catálogo me pareceu mal resolvido. Muito escuro, de leitura impossível à noite, longe de forte iluminação.

Durante vinte anos o cineasta franco-baiano soube concentrar-se, enfrentando mil obstáculos, na recuperação do singelo edifício. O espaço agora proposto ao mercado é só uma parte do projeto de Bernard. Ainda falta muito para terminar a reocupação total do conjunto.

Resta aplaudir a corajosa visão empresarial, desejando que ela indique o caminho a outros investidores no Comércio. Vale muito a pena.

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 18 de outubro 2025

 

 

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