Por que há uma ordem de prisão contra Rafael Correa
João Paulo Charleaux
A Justiça equatoriana emitiu na terça-feira (3) uma ordem de prisão preventiva contra o ex-presidente Rafael Correa, um dos expoentes da esquerda sul-americana, que governou o Equador por três mandatos consecutivos, de 2007 a 2017. Correa foi acusado no dia 18 de junho de 2018 de ser o mentor intelectual do sequestro de um deputado oposicionista chamado Fernando Balda. O crime ocorreu em 2012, quando Balda estava na Colômbia. O deputado havia fugido para o país vizinho alegando que já vinha sendo perseguido pelo governo Correa. A versão do ex-presidente é outra: Balda fugiu porque foi descoberto tramando um golpe de Estado.
Balda de fato sofreu um sequestro, que acabou frustrado pela polícia local, em Bogotá, mas Correa nega envolvimento no crime. A Justiça equatoriana ainda não deu um veredito. A ordem de prisão é, portanto, preventiva e foi expedida porque Correa descrumpriu uma determinação de se apresentar quinzenalmente à corte, em Quito, capital do Equador. O ex-presidente não se apresentou porque vive na Bélgica desde que deixou a presidência, em maio de 2017. O processo contra o ex-presidente do Equador chega num momento em que outros líderes esquerdistas sul-americanos, contemporâneos de Correa, também enfrentam problemas com a Justiça, por razões diversas. Quem é Fernando Balda Para entender o caso, é preciso entender, primeiro, quem é Fernando Balda, pivô do episódio. Balda foi membro do mesmo partido do ex-presidente equatoriano, a Aliança País. Porém, em 2009, ele se desfiliou da Aliança País e se converteu num ferrenho opositor de Correa, que estava então em seu segundo ano de mandato presidencial. Com a desfiliação, Balda passou a militar politicamente ao lado de outro ex-presidente equatoriano, Lucio Gutiérrez (2003-2005). Além de político e de ex-presidente, Gutiérrez é também coronel da reserva e tem a história marcada pela participação num golpe de Estado ocorrido no país no ano 2000. A passagem de Balda para o lado de Gutiérrez foi acompanhada de uma forte militância contra o governo Correa. Ele passou a acusar Correa de espionar jornalistas e políticos opositores no Equador. E, por essas acusações, perdeu um processo por injúria e difamação, o que o fez fugir para a Colômbia, juntamente com a esposa, Vanessa Castelo, e os quatro filhos, em 2009.
Quem é Fernando Balda Para entender o caso, é preciso entender, primeiro, quem é Fernando Balda, pivô do episódio. Balda foi membro do mesmo partido do ex-presidente equatoriano, a Aliança País. Porém, em 2009, ele se desfiliou da Aliança País e se converteu num ferrenho opositor de Correa, que estava então em seu segundo ano de mandato presidencial. Com a desfiliação, Balda passou a militar politicamente ao lado de outro ex-presidente equatoriano, Lucio Gutiérrez (2003-2005). Além de político e de ex-presidente, Gutiérrez é também coronel da reserva e tem a história marcada pela participação num golpe de Estado ocorrido no país no ano 2000. A passagem de Balda para o lado de Gutiérrez foi acompanhada de uma forte militância contra o governo Correa. Ele passou a acusar Correa de espionar jornalistas e políticos opositores no Equador. E, por essas acusações, perdeu um processo por injúria e difamação, o que o fez fugir para a Colômbia, juntamente com a esposa, Vanessa Castelo, e os quatro filhos, em 2009.
Qual a ligação de Balda com a Colômbia
Balda foi bem recebido na Colômbia. Isso ocorreu porque, um ano antes, ele havia desempenhado papel importante na defesa de uma proeminente figura no país, Juan Manuel Santos. Santos era ministro da Defesa da Colômbia quando em março de 2008 forças colombianas atacaram um acampamento das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) dentro do território do Equador A operação não havia sido aprovada por Correa. Por isso, foi considerada uma violação da soberania equatoriana, o que gerou um dos maiores impasses diplomáticos na história das relações entre os dois países. O presidente colombiano à época era Álvaro Uribe, que abriu as portas do país para Balda assim que ele fugiu do Equador. A boa relação de Balda se manteria nos anos seguintes, já que o ex-ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, assumiu a presidência da Colômbia em 2010, onde permanece até hoje. Em segurança na Colômbia, Balda passou a organizar encontros de um grupo de oposicionistas equatorianos, que, na visão de Correa, tramavam para derrubar o governo. As ações tinham respaldo da Fundação Internacionalismo Democrático, presidida por Uribe, que era o maior antagonista de Correa e de outros líderes esquerdistas sul-americanos à época. Como se deu o sequestro O primeiro episódio envolvendo a abdução de Balda ocorreu quando ele saía de seu apartamento em Bogotá, no dia 5 de julho de 2012. Naquele dia, Balda foi interceptado por um grupo de homens que o levaram às autoridades migratórias colombianas dizendo que ele seria deportado para o Equador. Poucas horas depois, ele foi liberado. Balda, então, denunciou o episódio como uma tentativa de intimidá-lo. O governo equatoriano disse que a história confusa contada por Balda não passava de paranoia. Depois, em 13 de agosto de 2017, ocorreu um novo episódio. Uma caminhonete parou ao lado de Balda na rua, e um grupo de homens colocou-o à força dentro do veículo. Um taxista presenciou o incidente e alertou a polícia local, que iniciou uma longa perseguição pelas ruas da capital colombiana. No fim, os sequestradores abandonaram o veículo com Balda dentro dele. As investigações revelaram uma extensa trama de personagens e de fatos que envolvem homens ligados à inteligência equatoriana, não apenas do mandato de Correa, mas também de outros presidentes, incluindo Gutierrez, que é aliado de Balda. Cinco homens foram presos no episódio. Balda acabou deportado de volta para o Equador, onde foi julgado e condenado, em 2012, por injúria e difamação, e por atentar contra o Estado. Ele cumpriu dois anos de prisão no Equador, de 2012 a 2014 A revista colombiana Semana diz que “toda essa novela tem sido tratada com total discrição pelos dois governos” e que “há ainda muitas perguntas sem respostas”. A revista questiona, por exemplo, qual o sentido de o governo colombiano ter deportado Balda, mesmo sabendo que ele seria processado no Equador. Por que Correa está na Bélgica O ex-presidente equatoriano é casado com a belga Anne Malherbe Gosselin. Ele se mudou para a Bélgica assim que deixou a presidência, em 2017, e, desde então, vive no país europeu. O advogado de Correa, Caupolicán Ochoa, pediu que o tribunal aceitasse alternativas à obrigação de apresentar-se fisicamente em Quito a cada 15 dias. Ochoa queria que seu cliente pudesse, ao invés disso, comparecer quinzenalmente no consulado do Equador localizado na capital belga, Bruxelas. O pedido foi negado. Para a Justiça equatoriana, o consulado não possui “as faculdades jurisdicionais” requeridas – ou seja, não se presta a essa função. Por essa razão, a Justiça do Equador disse ter pedido à Interpol, polícia internacional, que emitisse uma ordem internacional de captura contra o ex-presidente. As declarações de Balda e de Correa Balda anunciou que a intenção de viajar a Bruxelas para informar as autoridades consulares equatorianas de que “foi usado dinheiro do Estado para mobilizar agentes equatorianos em outro país [Colômbia] contra um político [ele mesmo] que tinha muito destaque por fazer oposição ao governo”. “Tentarão nos humilhar e nos fazer passar vergonha, mas uma monstruosidade como essa jamais prosperará em um Estado de Direito como a Bélgica”, disse Correa. O ex-presidente equatoriano e seus simpatizantes dizem que há uma campanha política, movida pelo fato de ele ser um líder de esquerda.
Outros líderes sul-americanos com problemas judiciais
Um dos primeiros ex-presidentes sul-americanos a manifestar solidariedade a Correa foi o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba desde 7 de abril de 2018, condenado a 12 anos e 1 mês de cadeia, por corrupção e lavagem de dinheiro no caso relativo ao apartamento tríplex em Guarujá. “Soube que você também, da forma tão absurda como fazem comigo, é vítima da judicialização da política” escreveu Lula, que foi contemporâneo de Correa no poder. A carta de Lula – escrita em espanhol e assinada de próprio punho pelo petista – foi publicada pelo ex-presidente equatoriano no Twitter, nesta quarta-feira (4). Outra ex-presidente sul-americana de esquerda que enfrenta problemas no Judiciário é a argentina Cristina Kirchner, que governou de 2007 a 2015. Ela foi alvo, no dia 7 de dezembro de 2017, de um pedido de prisão preventiva apresentado pelo juiz Claudio Bonadio, num caso que envolve um atentado terrorista ocorrido em Buenos Aires em 1994. Para o juiz Bonadio, Cristina, quando presidente, estabeleceu acordos diplomáticos com o Irã com a intenção de impedir que a Justiça levasse a julgamento alguns dos suspeitos de participação no atentado que, 23 anos antes, deixou quase 90 mortos na sede da Amia (Associação Mutual Israelita Argentina). A ex-presidente elegeu-se senadora em outubro de 2017. Portanto, é preciso que o Senado autorize a execução da ordem de prisão contra ela, o que não aconteceu. Também no Equador, o vice-presidente Jorge Glas foi condenado a 6 anos de prisão por associação criminosa e por receber propina da construtora Odebrecht em troca de favorecimento em licitações de obras públicas no país. Glas estava há oito anos ininterruptos no governo equatoriano. Ele foi ministro das Comunicações e de Setores Estratégicos, além de vice-presidente no terceiro mandato consecutivo de Rafael Correa (2013-2017) e vice também do atual presidente, Lenín Moreno. Moreno e Correa eram aliados políticos, mas se afastaram definitivamente em 2018. Essa transição do governo de Correa para o de Moreno foi marcada por uma série de denúncias de corrupção feitas por ex-aliados, uns contra os outros, abrindo uma disputa no interior da esquerda equatoriana.
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