sábado, 31 de dezembro de 2022

O TEMPO

Carlos Drummond de Andrade

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"Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um individuo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.
Para você, desejo o sonho realizado,
o amor esperado,
a esperança renovada.
Para você, desejo todas as cores desta vida,
todas as alegrias que puder sorrir,
todas as músicas que puder emocionar.
Para você, neste novo ano,
desejo que os amigos sejam mais cúmplices,
que sua família seja mais unida,
que sua vida seja mais bem vivida.
Gostaria de lhe desejar tantas coisas...
Mas nada seria suficiente...
Então desejo apenas que você tenha muitos desejos,
desejos grandes.
E que eles possam mover você a cada minuto
ao rumo da sua felicidade.”

Feliz Ano Novo!!!!

Ilustração: Gaston de la Touche, "Dîner au Casino", ca. 1906.

Mais uma matéria roubada da página de Helena Lacerda no facebook!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

ORLANDO

 


O REI DE NELSON RODRIGUES

 

Meu personagem da semana; leia crônica de Nelson Rodrigues sobre Pelé em 1958

Cronista se curva a dois fatos envolvendo o jogador do Santos: sua idade de 17 anos e seu talento; texto foi publicado originalmente na revista Manchete Esportiva

Depois do jogo América Santos, seria um crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade Albert Laurence chama de "o Domingos da Guia do ataque". Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: 17 anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de 40, custo a crer que alguém possa ter 17 anos, jamais. Pois bem: verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. (...)

O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento.

E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias. Já lhe perguntaram: "Quem é o maior meia do mundo?" Ele respondeu, com a ênfase das certeza eternas: "Eu". Insistiram: "Qual é o maior ponta do mundo?" E Pelé: "Eu". Em outro qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir. Mas o fabuloso craque põe no que diz uma tal carga de convicção, que ninguém reage e todos passam a admitir que ele seja, realmente, o maior de todas as posições. Nas pontas, nas meias e no centro, há de ser o mesmo, isto é, o incomparável Pelé.

Pelé estreou pela seleção brasileira em 1957, no Maracanã
Pelé estreou pela seleção brasileira em 1957, no Maracanã

Vejam o que ele fez, outro dia, no já referido América x Santos. Enfiou, e quase sempre pelo esforço pessoal, quatro gols em Pompéia. Sozinho, liquidou a partida, liquidou o América, monopolizou o placar. Ao meu lado, um americano doente estrebuchava: "Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!".

De certa feita, foi até desmoralizante. Ainda no primeiro tempo, ele recebe o couro no meio do campo. Outro qualquer teria despachado. Pelé, não. Olha para frente e o caminho até o gol está entupido de adversários. Mas o homem resolve fazer tudo sozinho. Dribla o primeiro e o segundo. Vem-lhe ao encalço, ferozmente, o terceiro, que Pelé corta sensacionalmente. Numa palavra: sem passar a ninguém e sem ajuda de ninguém, ele promoveu a destruição minuciosa e sádica da defesa rubra.

Até que chegou um momento em que não havia mais ninguém para driblar. Não existia uma defesa. Ou por outra: a defesa estava indefesa. E, então, livre na área inimiga, Pelé achou que era demais driblar Pompéia e encaçapou de maneira genial e inapelável.(...)

Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e mesmo insolente que precisamos. Sim, amigos: aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas de pau.

Por que perdemos, na Suíça, para a Hungria? Examinem a fotografia de um e outro time entrando em campo. Enquanto os húngaros erguem o rosto, olham duro, empinam o peito, nós baixamos a cabeça e quase babamos de humildade. Esse flagrante, por si só, antecipa e elucida a derrota. Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós.

PELÉ

Vitor Borges

 

Num mundo racista, todo mundo quer ser um Preto.

Pelé é o maior jogador de todos os tempos porque era tecnicamente perfeito, além de ter vencido todos os títulos possíveis e imagináveis.
Tinha todas as qualidades: drible, velocidade, força, impulsão, domínio, finalização, visão de jogo, habilidade, liderança, equilíbrio, passe, movimentação... Não era apenas camisa 10. Era também camisa 9, 11, 7, 8, 5, tudo num só. O time que tinha o Pelé, jogava com cinco jogadores a mais que os adversários. Era covardia. Quem venceu o Santos de Pelé, carrega um troféu imenso, o único que, por questões óbvias, ele não conseguiu vencer.
Pegue as qualidades de todos os craques do futebol, misture e pronto, eis o Pelé. Não há nada que Maradona, Messi, Ronaldo, Romário, Cruyff, Garrincha, Ronaldinho, Puskas, Eusébio, Zico, Di Stéfano, Gerson, Zidane, Mbapé, Tostão, Cristiano Ronaldo, Rivelino, Platini fizeram e fazem, que o Pelé não fez com maestria. Era tão perfeito, que até o que não conseguiu fazer se transformou em lances históricos.
É como se um único artista tivesse as qualidades de Van Gogh, Rodin, Da Vinci, Warhol, Caravaggio, Michelangelo, Rembrandt, Monet, Picasso, Giacometti, Cézanne, Miró, Basquiat, Rivera, Brancusi, Goya, Matisse, Pollock, Rafael...
Quem é o Pelé da Fórmula 1? Quem é o Pelé do basquete? Quem é o Pelé do vôlei, da natação, da ginástica, do golf, do boxe, do atletismo, do tênis?
Quem é o Pelé do cinema, do teatro, da música, da poesia, da literatura, da dança?
Quem é o Pelé das ciências?
Quando um ser humano se transforma em sinônimo de grandeza e genialidade, não precisa explicar mais nada.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O SARCÓFAGO DE KARAJÍA


No norte do Peru, encontra-se um dos povos mais enigmáticos das Américas. Conhecidos como Chachapoyas (700-1476 dC), receberam o apelido de “Povo das Nuvens”, devido aos seus sarcófagos, fortalezas e povoados que estão localizados em lugares de difícil acesso. Sua derrocada ocorreu pouco antes da chegada dos espanhóis, frente ao avanço Inca. Por este motivo, os remanescentes Chachapoyas apoiaram a conquista espanhola diante de seus opressores regionais.

Entre as várias e notáveis construções que este povo nos deixou, encontram-se os Sarcófagos de Karajía (também chamado Carajía). Sarcófagos, pois os Chachapoyas desenvolveram padrões funerários que podem ser classificados como mausoléus (tradição pucullo) e sarcófagos (tradição purunmacho), estes últimos caracterizados por estarem localizados em penhascos quase inacessíveis. Neste último caso, a maior parte encontra-se na margem esquerda do rio Utcubamba, nas proximidades da atual cidade de Chachapoyas. Além de Karajía, outros agrupamentos funerários são conhecidos, como os de Chipuric e Tingorbamba.

Os sarcófagos podem ser vistos encravados em fissuras rochosas, não raro cerca de 300 metros acima de um despenhadeiro. Algumas vezes de modo unitário, outras em conjunto, medindo entre 60 cm e 2,50 metros de altura cada um. Geralmente ocupados pelo fardo funerário de um único indivíduo, mumificado em posição fetal e ornado com tecidos e oferendas representativas de sua classe social. Pelo lado externo, os sarcófagos são modelados com argila, gravetos, mato e pequenas pedras no próprio local onde se encontram. O conjunto completo de Karajía possuía oito sarcófagos, sendo que um deles desabou do penhasco devido a um terremoto ocorrido em 1928. A análise do material desse sarcófago tombado trouxe muitas informações de seu conteúdo aos arqueólogos, que desta forma, evitaram profanar os sarcófagos fechados.

Alguns deles – mais elaborados – possuem esculpidas cabeças-máscaras coroando os sarcófagos, que são pintadas em branco, ocre, vermelho e amarelo. De forma geral, as esculturas apresentam apenas um torso com cabeça, sem braços ou pernas. Devido a dificuldade de acesso, muitos deles chegaram ao século XX intocados – mesmo que conhecidos pela população local – como é o caso de Karajía, que desta forma escapou da ação de huaqueros (caçadores de tesouros). Mesmo que conhecidos, os sarcófagos Chachapoyas só foram de fato estudados a partir da década de 1980.

Em 2006, um grupo de peruanos encontrou a 2.700 metros de altura outro conjunto de sarcófagos semelhantes a Karajía. Eles estão a 45 km da cidade de Chachapoyas e possuem 1,50 metros de altura, ostentando pinturas e cabeças estilizadas representativas de seus dignatários. Entre os habitantes locais, essas estátuas são conhecidas como antigos sábios.

Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. 

CINDY SHERMAN

As fotografias que desafiam padrões e identidades da artista Cindy Sherman

Cindy Sherman, a polêmica artista americana considerada uma das principais fotógrafas no campo da arte contemporânea

Cindy Sherman. Untitled Film Still #9, 1978. Imagem: MoMa

Quem é Cindy Sherman

Cindy Sherman (Glen Ridge, EUA, 1954) é uma artista e fotógrafa americana que ganhou destaque no mundo da arte contemporânea no final dos anos 1970 e é mais conhecida por fotografias que desafiam padrões e exploram questões relacionadas à identidade.

Ela é associada à chamada geração Pictures, um grupo de artistas que utilizava a apropriação de fotografias e imagens de mídias de massa como ponto de partida conceitual em suas criações artísticas. O grupo combinava cultura pop e arte contemporânea, tensionando barreiras entre “baixa” e “alta” cultura. 

Ao utilizar a fotografia como meio principal para explorar o imaginário da cultura popular americana, Sherman questiona qual é o papel da cópia ou da reprodução no campo da arte contemporânea. Cindy Sherman se vale da ideia de que o cinema, a publicidade e as mídias de massa são dotados de uma natureza opressiva e procura capturar os efeitos tanto individuais quanto coletivos desse mecanismo através de suas obras. Sherman também pode ser considerada como uma artista que trabalha com apropriação, uma vez que muitos de seus trabalhos partem de releituras de imagens tanto históricas quanto da cultura popular, alterando-as para abordar temas como a construção da identidade de gênero. 

Cindy Sherman. Untitled #474, 2008. Imagem: MoMa

A maior parte da obra de Cindy Sherman é caracterizada pela própria artista incorporando diferentes personagens, sendo ela mesma fotógrafa e modelo. Ela afirmou em entrevista que tentou trabalhar com modelos, mas que nunca funcionou bem, forçando-a a ter que refazer as fotos ela mesma. Sherman acredita que o motivo desse insucesso ao trabalhar com modelos é o fato de ela não saber realmente o que quer ou como articular seus desejos até ver a imagem. 

Ao longo de sua carreira, ela já posou como todo tipo de estereótipo presente no imaginário do cinema e da mídia, desde estrela da Hollywood dos anos 1950 até monstro de filmes de terror. A questão central do trabalho de Sherman é justamente o tema da identidade, tanto individual quanto coletiva e o quanto as fronteiras entre estas são borradas na contemporaneidade. Uma das leituras possíveis da obra de Cindy Sherman é a de que a artista sugere que identidade, nada mais é do que a alternância contínua entre diferentes estereótipos. Outros leem seu trabalho como a expressão e exploração da própria personalidade da artista. Há ainda a leitura de que Sherman, em seu trabalho, está examinando a noção de identidade na sociedade contemporânea por uma perspectiva mais ampla.

Existe uma camada performática em seu trabalho. Sherman lembra de se fantasiar desde a infância, mas não como as típicas princesas e bailarinas. Ela explorava baús da família com roupas velhas e se vestia como idosas ou monstros, se transformando em personagens que tendiam ao lado mais perverso da fantasia, como a artista relata no documentário Nobody is here but me (Ninguém está aqui além de mim), de 1994.

“Eu gostaria de poder tratar todos os dias como Halloween, e me fantasiar e sair para o mundo como um personagem excêntrico.” Cindy Sherman

Fato é que a artista tem uma postura reticente ao falar sobre seu trabalho e dar entrevistas, preferindo que o público tire suas próprias conclusões. Essa indefinição discursiva abre espaço para especulação acerca de sua obra e suas intenções e cria uma certa mística sobre seu trabalho e sua pessoa.

Cindy Sherman. Untitled #153, 1985. Imagem: MoMa


Cindy Sherman e o movimento feminista

Do ponto de vista do movimento feminista, grande parte da obra de Cindy Sherman parece se tratar de um comentário sobre a ideia de que ser mulher é uma performance socialmente construída a partir do olhar masculino – especialmente no cinema, na publicidade e na mídia, como comentado anteriormente. Por essa perspectiva, entende-se que as mulheres sejam socializadas para performar uma feminilidade em todos os espaços de sua vida. E são exatamente essas diferentes performances que a artista explora em suas obras.

Tal leitura faz com que o trabalho de Sherman seja fortemente associado com os movimentos feministas que explodiram nos Estados Unidos nos anos 1960 e 1970 e se desenvolvem até hoje. No entanto, a artista não se considera uma pessoa particularmente politizada, apesar de admitir que seu trabalho pode ser associado a temas políticos. 


Untitled Film Stills 1977-1980

Uma das obras mais conhecidas e aclamadas de Sherman é Untitled Film Stills (Frames de filmes sem título, em tradução livre), série que lançou Cindy Sherman no meio artístico, no final dos anos 1970. Trata-se de uma série de 69 fotografias feitas em filme analógico preto e branco ao longo de três anos, na qual a artista personifica diferentes estereótipos femininos. 

A inspiração da série vem da influência dos filmes europeus e dos filmes noir americanos dos anos 1940, 1950 e 1960. Estes gêneros cinematográficos frequentemente colocavam as personagens femininas como objetos sexuais ou ingênuas vítimas que precisavam ser salvas. Era comum na época que a divulgação dos filmes fosse feita através da distribuição de frames de cenas marcantes. Cindy Sherman se apropria dessa estética para a criação de Untitled Film Still, intencionalmente alterando ou potencializando os estereótipos femininos retratados ao ponto de causar um certo desconforto.

Cindy Sherman. Untitled Film Still #21, 1978. Imagem: Met Museum

A imagem mais discutida desta série é Untitled Film Still #21, na qual Sherman aparece com uma jovem inocente do interior se aventurando na cidade grande para ganhar a vida. A imagem traduz em seu plano e ângulo a linguagem cinematográfica. No entanto, o faz de tal forma que provoca a sensação de que a jovem está sendo observada ou julgada e que ela se arma de uma persona para se defender desse olhar exterior. Coincidentemente ou não, esta era a realidade de Sherman na época em que produziu a série. Ela havia saído da cidade onde nasceu e se mudado para Nova Iorque, onde encontrou uma realidade hostil de criminalidade nas ruas. No documentário Nobody is here but me (Ninguém está aqui além de mim), Sherman afirma que sentia, na época, a necessidade de adaptar sua postura nas ruas para poder sobreviver naquele ambiente.

History portraits

Entre 1988 e 1990, Sherman realizou uma série intitulada History Portraits (Retratos da História, em tradução livre). Nesta série, a artista recria obras clássicas renascentistas, alterando a narrativa ao exagerar os aspectos artificiais que compõem a encenação. Cindy Sherman vivia em Roma na época, seria de se esperar que o ponto de partida para a criação desta série fosse visitas aos numerosos museus com obras dos grandes mestres renascentistas espalhados pela cidade. Porém, para criar a série, Sherman se manteve comprometida com a cultura da reprodução e apropriação de imagens impressas, pois utilizou como referência apenas imagens encontradas em livros.

Faz parte desta série a obra Untitled #228, na qual Sherman recria o clássico tema bíblico de Judite decapitando Holofernes. Nesta obra, como em tantas outras releituras do tema, Sherman apresenta o assunto em um estilo clássico. No entanto, ao examinar a obra com mais atenção, alguns detalhes se mostram estranhos e desproporcionais. Parecem revelar o que tentam esconder: tudo não passa de encenação, criação de uma imagem artificial, um trompe l’oeil.

Cindy Sherman.  Untitled #228, 1990. Imagem: MoMa


Neste tema familiar para feministas e historiadores, Judite salva o povo israelita do tirano general assírio ao usar seu charme feminino para seduzi-lo e o decapita quando Holofernes cai no sono. 

A imagem de Sherman é carregada de ambiguidade, o que causa um certo desconforto no espectador. Nela, Judite pode ser vista tanto como uma heroína quanto como um símbolo sexual, uma vez que o sucesso de sua tarefa dependia de seu charme feminino. Na versão de Caravaggio, inclusive, Judite seria originalmente retratada com os seios nus. Imagens recentes de raio X mostraram que o véu que cobre os seios da personagem foi uma decisão posterior no processo do artista. 

Caravaggio. Judite e Holofernes, 1599. Imagem: Google Arts and Culture

Cindy Sherman produz incessantemente desde os anos 1970. Além das séries fotográficas aqui citadas, muitas outras obras da artista podem ser exploradas, cada uma em suas particularidades. No entanto, o fio condutor de seu trabalho se mantém o mesmo ao longo das décadas: identidades que se constroem e se desconstroem, apropriações e personagens estereotipados em imagens minuciosamente construídas.

O trabalho de Sherman já foi objeto de infinitas especulações. A própria artista não se sente particularmente inclinada a analisar seu trabalho muito profundamente e não dá muita importância àqueles que o fazem. A artista já afirmou em entrevistas que prefere que o público seja capaz de se relacionar com o seu trabalho sem precisar ler sobre ele. No entanto, ela não nega as implicações políticas e sociais de sua obra. Ela é, afinal de contas, considerada uma das principais fotógrafas da crítica social na contemporaneidade.

Luísa Prestes, formada em artes visuais pela UFRGS, é artista, pesquisadora e arte-educadora. Participou de residências, ações, performances e exposições no Brasil e no exterior.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

ANO NOVO NA PRAIA

 


Sou de uma época em que passávamos o Ano Novo na praia com amigos e familiares em completa paz. As pessoas levavam violões, flautas e tambores. Formavam seus grupos para cantar e rir até o dia raiar. Havia o pessoal de Iemanjá com seus barcos. Nenhuma violência. As crianças adoravam passar uma noite na praia.
Éramos muita gente, todos os anos, mas permanecíamos pessoas, cada um com seu jeito.
Mas, como podem tantos consumidores serem deixados em paz se há tanta coisa para vender? Grandes empresas e Prefeitura inventaram então que precisavam controlar a festa, mercantilizá-la e adensá-la. Gente é business.
O que era a celebração de cada um tornou-se mais um evento de propaganda e marketing, feito para exercitar o controle sobre multidões sem rosto.
A festa das pessoas tornou-se mais um evento mercantil para consumidores padronizados, excitados e idiotizados.
Vieram os shows. Os cachês. Os patrocínios. A mercantilização dos espaços. Os cordões de isolamento. A ânsia de ter cada vez mais gente apinhada. As galeras. A música da hora. Vieram junto a tensão, a violência e a sujeira.
Saíram a individualidade, o prazer, a paz, a intimidade, a música de cada um.
Os espetáculos dos fogos tornaram-se desproporcionais. Tudo se tornou desproporcional a qualquer medida humana.
Neste ano foram três milhões? Pois no próximo serão quatro! Sucesso se mede assim. Quem garante é a grande máquina de formação e controle de multidões a serviço das mercadorias.
Leio que neste ano o acesso à praia terá detectores de metais. Sorria, você está sendo filmado!
Tchau, pessoal, a gente não se encontra lá!

TORRES DE BAMBU

 Empresa desenvolve torre de bambu capaz de produzir mais de 20 litros de água por dia sem utilizar eletricidade

Valdemar Medeiros

Foto: Warka Tower

 

Ong desenvolve torre de bambu que pode gerar mais de 20 litros de água por dia para comunidades de regiões em desenvolvimento. Projeto, que não usa eletricidade, promete mudar significativamente a vida de povo africano.

Uma nova invenção poderá matar a sede de milhões de pessoas pelo mundo. Na África, por exemplo, diversas pessoas lutam para ter água potável e milhões de habitantes passam de 4 a 6 horas diárias em busca de água, e na maioria das vezes ela nem sempre está limpa. Com a população do continente africando chegando a um bilhão de pessoas, o problema está ficando cada vez maior. Pensando nisso, uma organização sem fins lucrativos desenvolveu uma torre de bambu barata e fácil de montar que ajudará a trazer água limpa para os africanos.

Torre de bambu produz mais de 20 L sem usar eletricidade

 


Warka Tower

As torres de bambu, que são capazes de recolher até 25 litros de água por dia, são chamados de Warka Water, um projeto voltado para promover o acesso à água para comunidades devastadas pela seca. Nos países em desenvolvimento há muitos problemas em relação ao acesso à água potável, tendo em vista que muita das vezes está contaminada por dejetos humanos e animais.

A má qualidade da água é a principal causa de problemas de saúde nas comunidades indígenas. Todos os anos nesses países, diversas crianças morrem de fome, desnutrição e outras condições. Essas torres de bambu são estruturas passivas que atuam com fenômenos naturais como evaporação ou gravidade. Sua instalação é algo muito simples, tendo em vista que não necessita de andaimes ou eletricidade, e são os próprios habitantes das aldeias que os constroem.

As torres de bambu são desenvolvidas com materiais locais sendo totalmente biodegradáveis. O principal componente é o bambu, apesar da fabricação exigir alguns outros elementos, como folhas de palmeira, cânhamo ou videiras. Esta é, sem dúvida, uma opção altamente econômica e ecológica para lidar com o problema do saneamento de água nesses países.

Torre de bambu pode produzir água de qualquer lugar do mundo

A Warka Tower é uma estrutura formada por malhas laranjas triangulares de 10 metros de altura que pesam 60 kg. O projeto, que não usa eletricidade, consiste em cinco módulos dispostos para coletar água potável do ar por condensação. Em média, estas estruturas conseguem distribuir entre 10 a 20 litros de água por dia pelas comunidades.

O ar geralmente possui uma grande saturação de vapor de água. Este fato torna possível coletar água de praticamente qualquer lugar do mundo. Os locais com uma porcentagem de vapor de água no ar maior são os mais indicados para a instalação deste tipo de torres de bambu. As primeiras unidades foram instaladas na Etiópia e Camarões, contribuindo significativamente com a população da região. A torre de bambu leva o nome da árvore “Warka”.

Esta é uma figueira gigante que pode ser encontrada na Etiópia e é sagrada, tendo em vista que disponibiliza sombra, comida e um local de reunião para os habitantes da região. O custo de instalação dessa estrutura está na casa dos mil dólares por peça, sendo uma ótima alternativa aos povos africanos para ter acesso a água limpa em um futuro próximo, isso tudo sem utilizar eletricidade.

Saiba como contribuir com o projeto

No site da Warka Water é possível encontrar alguns meios de contribuir para este projeto, realizando uma doação ou participando do projeto “Adote uma árvore”. Apesar do principal trabalho da Warka seja melhorar o acesso à água potável, eles também contribuem com as comunidades em que trabalham em outros aspectos.

A Ong fornece alimentos e medicamentos para crianças. Também fornecem educação para resgatá-los da pobreza e da escravidão, grande parte dos países em desenvolvimento sofreu grandes ações de desflorestação nos últimos anos, e por isso um dos seus objetivos é plantar árvores. Ajudam as comunidades indígenas a obter certidões de nascimento e outras provas de cidadania.

 

LUIZ TARQUÍNIO

 120 ANOS DA MORTE DE LUIZ TARQUÍNIO

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Pode ser uma imagem em preto e branco de ao ar livre e texto que diz "Tm Grupo Escolar Ruy Barhosa"

Antes que o Ano Novo se inaugure, quero pedir a atenção de todos para o extraordinário baiano Luiz Tarquínio (1844-1903).

Ele nasceu na mesma Rua dos Capitães, no centro da Cidade do Salvador, em que Ruy Barbosa (1849-1923) nasceu cinco anos depois. Desconheço se, ainda meninos, tiveram aproximação, porém, quando adultos, sim. A relação dos dois requer pesquisa a respeito, caso ainda não se tenha feito. Enfim, se o centenário da morte de é em 1º de março de 2023, o 120º aniversário de morte de Luiz Tarquínio será lembrando sete meses depois.


Por que adjetivar Luiz Tarquínio de extraordinário?
Vejamos: nasceu pobre, mestiço e sem o selo familiar que Ruy Barbosa, que tampouco era rico, ostentava, filho de primos de origem portuguesa. Tarquínio trabalhou em múltiplas frentes, sobretudo no comércio de tecidos. Foi balconista, designer têxtil, administrador e, aos 46 anos, com a vida econômica bem sucedida, resolve executar o sonho de edificar conjunto fabril (1891) e vila operária (1892, portanto há 130 anos).
A Vila Operária, de que restam algumas unidades residenciais e equipamentos sociais e educativos nas margens da Avenida Luiz Tarquínio, na Boa Viagem, é o grande diferencial dele porque nela executou propostas de solidariedade que desagradou a ponto de ser carimbado de comunista (adjetivo que prossegue destorcido e mal aplicado).



Se peço atenção para o extraordinário baiano nascido na Rua dos Capitães em 24 de julho de 1844 não significa que ele não seja conhecido e estudado. A propósito, festejemos o perfil que o professor Adriano Leal Bruni escreveu no livro Questões empresariais inspiradoras (Salvador: e.a., 2022), obra em que ele figura como também como um dos organizadores e que teve o patrocínio do Sebrae. Fecomércio e FIEB.


Há outros trabalhos que tratam de dele. Li há pouco a segunda edição do livro Luiz Tarquínio, pinheiro da Justiça Social no Brasil, do ex-ministro Péricles Madureira de Pinho (1908-1978), obra com que a Cia. Empório Industrial do Norte comemorou, em 1944, o primeiro centenário de nascimento do seu fundador. A edição que tenho, adquirida no Sebo de João Brandão, foi impressa pela Gráfica Econômico, por solicitação do Rotary Clube Bahia Norte, em 1978.
O livro informa, por exemplo, que Luiz Tarquínio foi casado com Dona Adelaide de Figueiredo Tarquínio e que, com ela, teve 14 filhos, dos quais três faleceram jovens. Reproduz cartas relatoriais que ele encaminhava para os patrões estrangeiros, informa ele viajou para o exterior muitas vezes e que escreveu livros e artigos em jornais. Informa que mantinha dois veículos jornalísticos voltados para os operários que viviam na Vila Operária; o jornal Operário e a revista Cidade do Bem (quem, porventura, tem essas coleções?)
Ao encerrar o livro na página 99, o escritor Péricles Madureira de Pinho escreve:
“Que poderemos acrescentar como uma palavra atual ao que já se disse de Luiz Tarquínio?
Apenas que as grandes lutas da hora presente são, no fundo, resultado da negação de ideias como as que Luiz Tarquínio defendeu, como as que inspiraram sua obra de pioneiro na justiça social no Brasil.”