quinta-feira, 22 de junho de 2017

MACRON E O PARLAMENTO

Algumas intenções de Macron, como a reforma trabalhista, inquietam a esquerda

 Ele conseguiu tudo. Há seis meses acompanhamos suas acrobacias arriscadas e por vezes achamos que ele ia escorregar e quebrar o pescoço, mas sempre se saiu bem, sorriso nos lábios, já sonhando com a próxima prova.
Assim, em poucos meses, um jovem desconhecido, super diplomado e ex-banqueiro, colocou de lado uma velha França e tirou outra do bolso, fresca, alegre e graciosa. Um presidente novo? Ele. Um governo novo? Ele o formou. Restava eleger uma nova Assembleia Nacional. Ele conseguiu também.
A primeira qualidade dessa nova Assembleia: ela dá a Emmanuel Macron uma maioria forte - 308 assentos. O suficiente para dar início às grandes obras anunciadas: novo código do trabalho, luta contra os jihadistas, revitalização da Europa, reativação da economia.
 Emmanuel Macron
Havia um perigo: no primeiro turno destas eleições legislativas, o partido de Emmanuel Macron (República Em Marcha) foi tão dominante a ponto de se tornar caricatural. Uma maioria assim total não era uma boa coisa, para o próprio presidente. Como comandar essa horda de “deputados Macron”, todos jovens e na maior parte sem nenhuma experiência política?
Mas o segundo turno do escrutínio corrigiu o desequilíbrio. A nova Assembleia continua “macroniana”, mas concede um lugar honroso à direita (que foi outrora de Sarkozy), que se acreditava reduzida a zero e assim mesmo obteve 120 cadeiras. Melhor ainda, se o Partido Socialista, desonrado por cinco anos de governo Hollande, se afundou completamente, em compensação vemos se formar uma esquerda autêntica (a France Insubmissa) uma esquerda pequena, com 21 assentos, mas brilhante, tenaz, comandada pelo único tribuno francês atual (com Marine Le Pen), Jean-Luc Mélenchon. À esquerda temos Jean-Luc, à direita Marine. Eles farão ouvir os estrondos do trovão e será muito bom.
Como explicar essa sabedoria do eleitorado, que corrigiu os “excessos macronianos” do primeiro turno? Poderíamos imaginar que Macron conseguiu essa nova proeza: reduzir sua onipotência a proporções aceitáveis.
E o que dizer da nova Assembleia que durante cinco anos acompanhará a epopeia do novo presidente? Sua primeira virtude: foi expulso de suas fileiras o bando de velhos putrefatos que se arrastam pelos caminhos dourados do poder, gaguejando e se repetindo há 10, 20, 30 anos. Fora!
Por outro lado, observamos um formidável rejuvenescimento. Cabeças insólitas no “reino da naftalina” que era a Assembleia. Fisionomias agradáveis de ver, atônitas, sorridentes, que acontecimento! É verdade que seus primeiros passos diante de emissoras de rádio e TV às vezes foram deploráveis. Mas basta que aprendam a falar.
Duas outras belas surpresas: a primeira é que entre esses novos deputados há muitas mulheres, segundo o desejo de Macron. Mais uma aposta ganha: em 1958, 1,8% dos deputados eram mulheres. Hoje são 40%; uma Assembleia jovem e com toque feminino, um belo toque de frescor.
O segundo triunfo de Macron é que, entre os deputados desconhecidos de seu partido estão indivíduos do chamado “grupo da diversidade” (uma expressão falsamente delicada para não dizer negros ou árabes). Ainda não são numerosos para refletir a sociedade francesa, que é multicultural. Mas são 15 deputados. Alguma coisa começa a mudar. 
Para Macron, o mais difícil terá início agora, quando começa a governar. Algumas das suas intenções já inquietam a esquerda. Por exemplo, ele pretende rever as leis trabalhistas de modo a dar mais garantias aos patrões para contratar ou demitir.
Outra preocupação: mesmo reduzida em relação ao primeiro turno, a maioria desfrutada por Macron é tão forte que ele pode tentar fazer o que lhe der na cabeça.
A pergunta está feita e só veremos a resposta depois de alguns meses de governo. Macron disse um dia que gostaria de ser um “presidente jupiteriano”. Meu Deus! Estaria afirmando que vai governar do alto do seu Olimpo, soltando raios quando a terra não o obedecer?
Enfim, um detalhe misterioso colore todos esses resultados: a abstenção no segundo turno, que alcançou a cifra inconcebível de 57%. Mais da metade dos franceses desdenhou o escrutínio, seja para exprimir seu descontentamento com Macron ou por desinteresse na política, no “social”, preferindo cuidar de seu jardim ou ir pescar. Seja qual for a razão, não é um bom sinal. / TRADUÇÃO DE TERESINHA MARTINO 
 Gilles Lapouge, CORRESPONDENTE / PARIS, O Estado de S.Paulo
 

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