sábado, 9 de setembro de 2017

UMA TESOURINHA DOURADA


Após quase um mês, as prazerosas andanças chegavam ao fim. Como não se apaixonar por esta terra tranquila e hospitaleira, carregada de história, de rica culinária? Cada dia, cada hora haviam-me trazido outros encantamentos. 
Neste país de pedra e areia nascera muito da civilização ocidental. Os primeiros escritos, as primeiras notas musicais. Visitara templos do princípio da cristandade. 

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O que resta da coluna de São Simeão rodeada por uma suntuosa arquitetura bizantina. Tirando a areia com a palma da mão, apareciam mosaicos paleocristãos. 



Da mesquita otomana do Mimar Sinan em Damasco, só pudera admirar a parte externa. Viajara um bom pedaço da Síria a convite de duas amigas, ambas recém divorciadas, que alugaram uma van com motorista. O restante, de táxi ou de trem. 

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Em Palmira, a Roma Dourada, onde a sombra da rainha Zenóbia ainda passeia entre colunas corintianas no meio do deserto, imaginei caravanas da Rota da Seda.
Hospedado em Alepo pelo cônsul geral da França, fora recebido na extraordinária mansão –fachada discreta, quase banal do bairro cristão – da escritora Myriam Antaki. Bustos romanos, raros tapetes persas, móveis franceses, azulejos de Esfahan. No piano de cauda, fotografias de sultanas e príncipes. Antigos palácios transformados em restaurantes onde jantamos de mezes deliciosos e vinhos libaneses. 

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Ouvi, de noite, o longo e milenar lamento das norias de Hama desviando as águas do Orontes. Passaram-se dez anos, mas ainda me emociono ao lembrar o fado das imensas rodas. Andei pelas ruas de basalto negro de Bosra até o teatro construído, dizem, por Adriano, como o Panteão de Roma. Outra sombra, aquela do belo Antinous... Ao chegar no Krak dos Cavaleiros em fim de tarde, quando as muralhas passam do rosa ao violeta, mergulhei nas batalhas de Saladino contra os cruzados. Parecia ainda sentir o cheiro da pólvora e ouvir o ruído das armas.

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Na mesquita das Umayyad silenciei frente à cabeça de São João Batista. Ou pelo menos, uma delas. O santo também é venerado pelos muçulmanos. Na medieval Damasco, a mais antiga capital do mundo, precisando comprar uma tesourinha de unhas, entre sabões de Alepo, loukoums, meias, cuecas e pistachos, escolhi uma dourada “Made in Paquistan”. Desenho bem contemporâneo e qualidade de canivete suíço. Seria minha companheira de muitas outras viagens até, no aeroporto de Paris, a caminho de Marrakesh, ser retirada de minha bagagem de mão por uma policial de cara feia. Ainda hoje sinto falta dela e de tudo aquilo que vivi com ela. A loja onde fora comprada deve estar destruída, o sorridente e pacífico vendedor morto, como mortos foram os gentis cristãos do convento de Ma´alula que me fizeram provar uma saborosa receita de ovos com tomates.



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