quarta-feira, 13 de novembro de 2019

DA IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO (I)

Resultado de imagem para caricatura de criança mal educada


A criancinha não estava incluída no programa. Veio a tiracolo por decisão dos pais param almoço em casa de pessoas desconhecidas.
Já tinha mais de quatro aninhos mas ainda não sabia dizer “bom dia”, muito menos “obrigado”. Ao ser apresentado ao anfitrião, se contorceu todo e, sem olhar ninguém, acabou estendendo de malgrado a mão esquerda.
Durante as longas horas deste lindo dia de verão recusou-se em tomar banho na tranquila praia ou na bela piscina redonda. Preferiu ficar pendurado no colo da mãe, apesar do peso, ou grudado no pai, não sem reclamar da demora do almoço.
O pedagogo de plantão falou em timidez? Mas com certeza! Com tanto adulto conversando de assuntos incompreensíveis, numa casa tão grande, o menino devia ter perdido todas as suas referências cotidianas. Mas com o correr do sol o Carlinhos começou a abandonar qualquer sombra de timidez, deixando claro que seu comportamento era fruto de uma educação absolutamente omissa.
Sentado à mesa, xifópaga mente ligado ao pai, com caretas de profundo desagrado, recusou-se a comer qualquer das delícias do generoso buffet. A carne fria tinha maionese, a salada de pepino vinha temperada de iogurte. Nem o magnífico rizotto com parmesão legítimo escapou das negativas enjoadas.
Quanto mais o pai insistia, mais o garoto afastava com um gesto nervoso da mão o garfo oferecido. Perguntado porque não comia, já que a fome era tanta, o amorzinho respondeu à dona da casa: ”Esta comida não presta”.
Só encheu o prato quando chegou a torta de chocolate e os sorvetes. Durante parte da refeição o anjinho monologou em voz alta, indiferente ao incômodo dos convidados. Só silenciou ao descobrir que, ao bater com o punho no tampo de mármore da mesa, a água de seu copo produzia uma vibração concêntrica. Nosso Arquimedes continuou esmurrando sob o olhar úmido dos pais até que, com uma fraternal emoção, eu pedisse para poupar mesa e assistência.
Finalmente levantamos da mesa para o café na varanda. Hora sagrada da sesta num verão tropical. Alguns se derramaram pelas redes, outros preferiram continuar a conversa. O herói do dia, agora no papel de Dom Quixote confundindo pacatos moinhos com perigosos inimigos, resolveu entrar numa guerra desesperada com as plantas do jardim. Arrancando flores, quebrando pencas de coquinhos, o trator humano parecia disposto a triunfar da natureza, com raiva, quem sabe, do Papai Noel não lhe ter trazido a moto-serra sonhada.
Nesta altura, temeroso do início da Terceira Guerra Mundial, eu já não mais dominava minha irritação, multiplicada pelo sentimento de culpa de ter introduzido a criatura no sossego da casa amiga.
Com a voz embargada de bondade, típico presságio da tempestade iminente, pedi para a mãe segurar o monstro. Eu já imaginava-me entupindo o jovem Frankestein de carne com maionese, empurrando o rizotto com a colher de pau goela abaixo, completando com a metade que tinha sobrado da torta de chocolate, besuntando o adorável corpinho com a calda do sorvete derretido e afogando-o na bela piscina redonda.
Quando finalmente, e sem se despedir, o Carlinhos saiu da casa e de nossas vidas, a costumeira paz, leve e sorridente, voltou entre os sobreviventes.
Durante alguns minutos ninguém mencionou o rebento. Falou-se na inteligência e cultura dos pais, da beleza do mar à hora do crepúsculo, da dificuldade em manter a grama verde com este sol, da melhor forma de iluminar a amendoeira. Até uma convidada aludir discretamente à singular educação do menino.
Bastou isso para libertar nossos instintos mais animalescos. De comum acordo, a traumática imagem foi jogada no meio da mesa para, com unhas e dentes, ser dissecada, assada, mastigada, jogando os ossos ao pachorrento labrador.
... Gente: ou você educa direitinho seus herdeiros para se comportar em sociedade, ou então deixa eles bem trançadinhos em casa, atados e amordaçados numa gaiola, tá?!

N-R: Qualquer semelhança com pessoas e fatos reais talvez seja mera coincidência.   
Dimitri Ganzelevitch
Gazeta Mercantil 27/01/1999

Um comentário:

  1. Isso é classificado como " FALTA DE EDUCAÇÃO" uma vergonha!!! Me desculpem, mas os pais são os maiores culpados .

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