domingo, 17 de novembro de 2019

EL REY EN LA HABANA

Lixo e luxo nos 500 anos da fundação de Havana

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Primeira visita de Estado de um monarca espanhol a Cuba marca o aniversário da capital fundada em 1519. Comemorações chegam no meio de uma crise de lixo e restrições nas remessas de divisas

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Cada alta figura presente nas cerimónias de comemoração dos 500 anos de fundação da cidade de Havana receberá uma garrafa de um rum criado pela Havana Club propositadamente para a ocasião. A empresa reservou 65 garrafas da edição limitada de 500 unidades para a ocasião — das restantes, 300 serão para vender, mas a 2800 pesos convertíveis cada garrafa, mais de 2500 euros, está fora do alcance da grande maioria dos cubanos, cujo salário médio mensal ronda os 28 euros. Não se sabe se a marca de rum, que em 2018 exportou 4,6 milhões de caixas para 120 países, entregou uma das garrafas ao rei Felipe VI de Espanha, que esta semana efectuou a primeira visita de Estado de um monarca espanhol a Cuba desde a independência da ilha em 1898. O casal real espanhol não participa nas cerimónias oÆciais do aniversário de San Cristóbal de la Habana, que começam hoje, para não partilhar a tribuna de honra com os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e Nicarágua, Daniel Ortega. Felipe VI entregou no ano passado um prémio jornalístico ao cubano Julio Batista, na categoria de jornalismo ambiental e desenvolvimento sustentável, por uma reportagem de denúncia da contaminação das águas da enseada de Chipriona, na capital cubana, pela Havana Club International. “Em muitos aspectos, Chipriona fede a morte”, escrevia então Batista na reportagem publicada no site Periodismo de Barrio, um dos meios de comunicação independentes que vão oferecendo jornalismo alternativo aos órgãos oficiais no interior de Cuba. Batista foi um dos três jornalistas que o rei de Espanha fez questão de convidar para o seu encontro com membros da sociedade civil na Embaixada de Espanha, ontem em Havana. Ainda este mês, a ONU colocava
Cuba a vermelho entre os países que não cumprem o Acordo de Paris sobre acções para travar as alterações climáticas e um dos aspectos negativos referidos é a grande concentração de indústrias tecnologicamente obsoletas junto a localidades, despejando nos aquíferos esgotos por tratar ou insuficientemente tratados. A cidade de Havana enfrenta uma grave crise de lixo que ajuda a contribuir para que a dengue se transforme em doença endémica. O aglomerado urbano de 2,1 milhões de habitantes gera 23.814 metros cúbicos de lixo por dia, quantidade que torna difícil o trabalho do sistema de recolha, quando muitos camiões estão parados por avaria ou falta de combustível. No princípio do mês chegaram ao Porto de Havana dez camiões doados pela Câmara de Viena — que já no ano passado tinha feito doação idêntica — que serão usados, como disse ao Cubadebate o director dos serviços de comunicação da cidade, Onelio Ojeda, para a recolha de resíduos nos hospitais, para contractos com grandes centros industriais e para o reforço de alguns dos eixos viários da cidade. Esta doação austríaca junta-se a outras já concretizadas do Japão (48) e por cumprir da China (61), o que permitirá aumentar a frota de camiões do lixo. Segundo disse ao mesmo site Reinier Arias, vice-director da empresa provincial de serviços municipais de Havana, com estes meios está garantida a recolha de 90% do lixo gerado todos os dias. 

No meio da falta de combustível, a cidade debate-se com uma crise de recolha de lixo que está a ajudar a propagar a febre de dengue na capital cubana

Crise energética

 Porém, mais do que um problema de meios, o lixo em Havana está relacionado com a crise energética no país. Omín Camejo, vice-presidente do governo municipal, anunciava, no Ænal de Setembro, a redução da frequência da recolha de lixo devido à falta de combustível para os camiões. “DeÆniu-se, por isso, novos horários de recolha para a população, às segundas, quartas e sextas, a partir das sete da noite”, explicou.A pressão dos Estados Unidos aos navios com petróleo da Venezuela está a diminuir a disponibilidade de gasóleo, obrigando o Governo a restringir a sua distribuição. Com a falta de combustível, reduz-se a frequência de recolha de lixo, com as chuvas acumulam-se águas estagnadas na cidade e sem dinheiro para as grandes campanhas de fumigação cresceu a incidência da dengue, doença infecciosa transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. De acordo com o Havana Times, vários hospitais estabeleceram alas separadas para tratar do aumento de pacientes com sintomas de dengue. As autoridades têm evitado a utilização do termo epidemia: “Apesar dos problemas económicos que enfrentamos, tem havido um esforço enorme para assegurar todos os recursos necessários para prevenir as condições que fomentam a proliferação do Aedes aegypti e a transmissão da febre de dengue”, dizia Dalsy Torres Ávila, director do Hospital Universitário Manuel Fajardo. “Toda a gente sabe que não importa a quantidade de campanhas e de acções que o Estado leve a cabo para fazer desaparecer o principal factor da febre de dengue, nunca conseguiremos erradicar esta praga se continuarmos a ter montes de lixo em todas as esquinas”, escrevia Pedro P. Morejón no mesmo jornal. 

Relações com os EUA 

A crise energética é uma das faces do endurecimento da política dos Estados Unidos em relação a Cuba com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. Os avanços nas relações entre os dois países, conseguidos durante os mandatos de Barack Obama, principalmente no seu final — e que culminaram no restabelecimento dos laços diplomáticos entre os dois países a 17 de Dezembro de 2014 — foram travados por esta Administração. Outro sinal do regresso à velha política do embargo duro à ilha são as longas filas de cubanos nas agências da Western Union. Uma parte substancial dos cubanos depende das remessas de divisas enviadas por parentes que residem no exterior. 

Em Outubro, o envio de dinheiro dos EUA para Cuba foi limitado a mil dólares por trimestre. Segundo o The Havana Consulting Group, citado pelo jornal online 14 y medio, “no período de 2009-2016 as remessas cresceram 2000 milhões de dólares em comparação com a etapa anterior, no período de 1993 a 2008. Em apenas oito anos, os usos prioritários das remessas passaram de seis actividades para 14 [desde pagamento de alimentação até ao acesso à Internet]”, de acordo com o presidente do grupo, Emilio Morales. No grande mercado Carlos III, em Havana, a fila para a Western Union estende-se agora até à porta. Aquilo que se fazia em poucos minutos tornou-se moroso, quer pelas restrições norte-americanas, quer pela escassez de divisas em Cuba. Os entraves ao negócio também levaram ao encerramento de mais balcões de atendimento, assoberbando aqueles que ainda funcionam. Os milhares de famílias que recebem dinheiro de fora continuam a ser as mesmas, o processo é que se tornou mais complicado. No entanto, como dizem os cubanos, “a mau tempo, boa cara” e os 500 anos da fundação de Havana por Pánfilo de Narváez em 1519 é ocasião para comemorar a longa vida de uma das jóias arquitectónicas do Atlântico, apesar da sua degradação por falta de verbas para reabilitar os velhos casarões de traços coloniais. 

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A Havana Club criou uma edição limitada de rum para comemorar os 500 anos de Havana. Cada garrafa vai custar mais de 2500 euros, quase 90 vezes o salário médio cubano

A que se junta agora a incapacidade para recolher o entulho dos que vão desabando, sobretudo nesta época de chuvas. “Hoje, Havana parece desgrenhada e deteriorada, mas numa perspectiva urbana permanece integral, o que a torna um lugar excepcional para analisar, não só pela sua arquitectura, mas pelos excepcionais e transversais objectivos de planeamento variados e intactos, incluindo aqueles que chegaram a ser prevalecentes por todas as Caraíbas e todo o hemisfério”, dizia Sonia Chao, professora da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Miami, ao site da universidade. Eusebio Leal Spengler, historiador de Havana, que guiou os reis de Espanha na visita à cidade velha, diz ao Correo de la UNESCO, que “as doenças” que Havana tem “são aquelas que podem sentir alguém que viveu tanto tempo”. Um dos maiores especialistas da história da cidade, e que foi agora condecorado por Felipe VI, explicou aos monarcas espanhóis, durante “um passeio intenso”, como vão as obras de restauração dessa zona da cidade que é património mundial desde 1982: “Havana é uma cidade viva, de sabedoria e de memória”


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