14 de março se tornou uma data emblemática porque em 2018 ocorreu o assassinato brutal de Marielle Franco e Anderson.
Como quase todos os brasileiros fora do Rio, eu não a conhecia. Já tinha ouvido falar porque tínhamos amigos em comum e mesmo assim, de forma muito superficial. Mas aí veio aquela interrupção na programação da televisão no meio da novela das 9 e, desde então, Marielle e o Brasil que ela representa se tornou para mim e muitos uma fonte de descobertas.
Anteontem, o documentário que a Globo exibiu, ratificou e ampliou a percepção de que havia ali uma existência notável. Uma mulher forte, atenta, tomada de prumo e rumo em direção às suas convicções e visões de mundo, uma leoa na defesa de suas ideias convertidas em luta política. Mas o documentário também mostrou um pouco da filha, da irmã, da esposa, da amiga e da mãe, assim como mostrou a parte menos conhecida, o motorista Anderson que também foi vítima, através da dor de sua esposa, o cuidar sozinha do filho especial, a solidão que sobrevém a uma perda dessas.
Nestas frestas da intimidade, pudemos ver que na fortaleza e combatividade de Marielle havia também a doçura, o carinho, o cuidado com os seus. O silenciamento covarde quis calar Marielle mas acordou um país. Digo tudo isso para sublinhar que a dimensão pública de Marielle a coloca numa posição de “pertencimento” coletivo. Ela está em cada um que se sentiu e se sente representado por suas ideias e suas bandeiras. Entretanto, acho que faltam imensas doses de discernimento sobre essa pertença.
Vi e li absurdos, inclusive de gente que é dona de lugar de fala, sobre o direito de representação de Marielle. Gente que sequer privou de sua intimidade e convívio mas que de repente se sente proprietária das biografias alheias como se estas fossem apenas pretextos a subsidiarem lutas políticas. Que vergonha. Que esperdício de energia. Que erro de foco. O essencial segue sem resposta e sem pressão de fato. Se essas militâncias inúteis e inócuas usassem suas capacidades de mobilização e locução na direção da descoberta dos mandantes dos assassinatos prestariam serviço vital à causa.
Óbvio que por trás da morte de Marielle existem interesses poderosos que eram contrariados por sua luta, daquele condomínio burguês da Barra da Tijuca saiu muito mais que executores. Todas as ações para ocultar e embaralhar as investigações evidenciam que há uma podridão abaixo da rajada de tiros. Colocar todos os holofotes nessa pergunta é a principal maneira de honrar a memória de Marielle. Todo o resto é abutre disputando cadáver para fins tão podres quanto os motivos do assassinato.
Sérgio Sobreira
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