Bolsonaro desafia
o seu próprio
Governo para
mandar
brasileiros ir
trabalhar
O Presidente e os seus ministros acordaram que o chefe de Estado se iria refrear para não fragilizar a gestão da crise pandémica. Mas de nada adiantou
Grafitti de Bolsonaro com uma máscara de protecção do covid no Rio de Janeiro
Um dia depois de os ministros
de Jair Bolsonaro lhe terem
pedido que se refreasse nos
apelos ao fim do confinamento por causa do novo
coronavírus e não desprezasse a gravidade da pandemia, por
estar a criar descoordenação no
Governo, o Presidente brasileiro
saiu à rua para falar com comerciantes e frisar o seu ponto. “Tenho conversado com o povo, eles querem
trabalhar”, disse, lançando mais
achas na fogueira.
Os militares estão preocupados e
já expressaram o seu apoio ao vice-
-presidente, o general na reserva
Hamilton Mourão, caso se chegue a
uma situação em que Jair Bolsonaro
enfrente um processo de impeachment — um fim bastante frequente
para os Presidentes brasileiros.
O Ministro da Saúde brasileiro,
Eduardo Mandetta, não tem perdido
uma oportunidade para reforçar a
importância do distanciamento
social aos brasileiros, mas esses alertas não impediram o Presidente, Jair
Bolsonaro, de visitar ontem mercados em Brasília, criando aglomerados.
Sobre o vírus, disse: “Vamos ter
que enfrentar como homem, porra.
Não como um moleque”, relata o site
da Globo News.
“Eu defendo que você trabalhe.
Lógico, quem é de idade fica em casa.
Às vezes, remédio demais vira veneno”, disse Bolsonaro a um feirante,
citado pela Folha de São Paulo.
Apesar de já ter decretado estado de calamidade, o Presidente tem resistido a
tomar medidas mais drásticas para
travar a propagação do vírus, dizendo que a economia não pode parar.
O Brasil registou este domingo o
segundo maior aumento diário de
casos confirmados, mais 487 nas últimas 24 horas, de acordo com o
Ministério da Saúde. Há já 3904 pessoas infectadas, 569 estão hospitalizadas, e 117 mortes. A maioria das
mortes (84) e casos (1406) foram
registados no estado de São Paulo,
onde o governador, João Doria,
decretou a quarentena obrigatória.
O aumento dos casos tem contrastado com as palavras do Presidente,
que já caracterizou o vírus como
“gripezinha”, quem fica em casa
como “covarde”. O Ministério da
Saúde aconselha os brasileiros a isolarem-se socialmente, evitando todo
o contacto social desnecessário.
Além disso, as críticas de Bolsonaro
aos governadores que decretaram
medidas de isolamento social têm
dificultado a coordenação entre as
autoridades federais e as estaduais.
A discrepância entre o discurso do
Presidente e as medidas do executivo, como o encerramento das fronteiras, está a enviar mensagens confusas e a dificultar as acções no terreno, com a Justiça brasileira a
suspender decretos presidenciais.
Foi a falta de coordenação que dominou a reunião de sábado dos
ministros e do Presidente no Palácio
da Alvorada.
Segundo a Folha de São
Paulo, ficou combinado que o Presidente se absteria de fazer declarações
no fim-de-semana — mas ir para a rua
foi mais forte que ele. “Acho que está
havendo falta de coordenação no final”, admitiu em entrevista à Folha
de São Paulo Hamilton Mourão.
O Presidente está cada vez mais
isolado, ainda que Mourão, que diz
que o coronavírus é “sério”, tenha
classificado como “mero linguajar”
as declarações polémicas de Bolsonaro. “Busca passar certo grau de
confiança para a população. Aí a turma fica com raiva e quer pular na
jugular dele”, disse Mourão.
Disse
que Bolsonaro foi mal interpretado
por querer realçar a preocupação
pela economia.
As polémicas de Bolsonaro têm
um objectivo político claro: mobilizar os seus apoiantes, depois de o
gabinete digital da Presidência ter
detectado um enfraquecimento do
discurso pró-Governo nas redes
sociais, diz a Folha de São Paulo.
No entanto, as declarações de Bolsonaro também têm posto em causa,
aos olhos dos brasileiros, a de (e vontade) do executivo no combate ao coronavírus.
Muitos brasileiros têm protestado nas varandas
com panelas (os panelaços) e o debate sobre o impeachment ganhou novo
fôlego, diz a Folha de São Paulo. Até
os militares estão a ficar inquietos.
As Forças Armadas receiam que a
gestão da crise pandémica por Bolsonaro leve a um aumento exponencial de casos de coronavírus, causando o colapso dos serviços de saúde e
milhares de mortes.
Representantes
do Exército, Marinha e Força Aérea
acreditam que esse cenário fragilizará a popularidade do Presidente,
conduzindo a um impeachment.
E,
por isso, reuniram-se esta semana
com o vice--presidente para lhe
expressar o seu apoio se isso suceder, diz o El País.
“Ele [Bolsonaro] tem um discurso
belicista. Mas quem está na linha da
frente da guerra são soldados que
sabem que podem morrer. Numa
pandemia, não podemos pôr toda a
gente na mesma situação da dos soldados”, disse um dos militares envolvidos nestas movimentações ao jornal espanhol.
ricardo.fernandes@publico.pt
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