Brasil: guerra, velório e hospício
No início da pandemia, eu tinha medo do desconhecido. Nós não sabíamos quase nada sobre o vírus. Não sabíamos como poderíamos ser infectados. Eu tinha medo de tocar nas coisas, não saía para nada e lavava tudo o que vinha de fora.
Nós passamos (minha companheira, meu filho de cinco anos e eu) em completo isolamento por muitos meses seguidos. O meu pequeno tinha quatro anos, à época, e começou a ter falta de ar e a desenvolver tique nervoso. Temeroso, eu o imaginava adulto explicando o motivo de ter adquirido tais sequelas: “Foi a grande pandemia de 2020”, diria ele.
Logo que pudemos, o colocamos em contato com a natureza. O mar curou meu filho no primeiro dia. Passamos o tempo que pudemos longe da grande cidade.
Já perto do final de 2020, nós retornamos para casa em Salvador. Aos poucos, tudo parecia melhorar. Mas, os avisos foram muitos no sentido de que a situação voltaria a piorar. Os epidemiologistas avisaram que a equação eleições + natal + final do ano + carnaval agravariam a situação do país. Isso sem mencionar o trânsito diário de centenas de milhares de pessoas por ônibus e metrôs. O vírus jamais foi cerceado de circular no Brasil. Não tinha como dar certo.
Foram muitos a alertar que em março, início do período de gripe em todo o país, uma nova e mais letal onda levaria milhares de vidas. As previsões mencionavam três mil mortes por dia em março desde que nada fosse feito. E em abril, chegaríamos a cinco mil mortes diárias.
Hoje, enquanto escrevo esse texto, em 06 de abril de 2021, foram registradas 4.195 mortes. Isso porque o estado de Minas, mais uma vez, represou seus dados. O que mais dói é que a imensa maioria das mortes eram perfeitamente evitáveis.
No Brasil, nós não tivemos lockdown e mesmo assim o verme maior e mais perigoso diz que o isolamento social não funciona, muito pelo contrário. Ele finge não saber que países distintos como China e Nova Zelândia zeraram o contágio da Covid-19 graças ao isolamento somados ao rastreamento e testagem em massa. A vacina é uma das armas no combate à Covid-19. Não é a única.
Em um ano de pandemia, não houve isolamento, testagem ou rastreamento em quase nenhuma cidade do país. Desde o início, obras não-essenciais tomaram as grandes cidades e despejaram milhares de trabalhadores sem máscaras ou qualquer outra orientação de proteção quanto ao coronavírus. Ônibus, metrôs e aviões lotados. Pessoas entram e saem de cidades e estados sem acompanhamento algum por parte dos governos. Não há testagem ou rastreamento no Brasil. Nunca houve.
É um faz-de-conta que dói na alma.
Quando o Reino Unido decretou lockdown, nenhum ônibus circulava nas ruas de Londres. Depois de muita luta, um conhecido que mora na França conseguiu entrar em Hong Kong a trabalho. Fez teste na chegada, ganhou pulseira QR Code, um caderno para anotar dados ligados à saúde e teve que ficar 14 dias isolado em um hotel. Caso não respeitasse as ordens, pagaria multa elevada e poderia ser extraditado. No Vietnã, país mais pobre e população com cerca de 100 milhões de pessoas, governantes executaram rigoroso controle (isolamento + distanciamento). O país asiático era um forte candidato a um desastre sanitário, dado o grau de pobreza e falta de estrutura hospitalar. Hoje, fui buscar os números fatais no Vietnã em toda a pandemia e quase não acreditei: apenas 35 mortes. Mesmo levando em conta fortes indícios de subnotificação, cerca de 162 países no mundo tiveram menos de quatro mil mortes em todo o período pandêmico.
Bolsonaro vem lutando ao lado da morte em nosso país. Abertamente, sem desculpas, sem medo algum do que está propondo. Bolsonaro disse que não acreditava em vacinas e boicotou a compra de milhões delas ainda em 2020.
Bolsonaro não merece a morte, mas a cadeia. Um julgamento justo o condenaria, sua família e aliados.
É difícil entender o comportamento de Bolsonaro. Em Israel, o líder de direita Benjamin Netanyahu percebeu que seu futuro político estava atrelado à vacinação em massa. Hoje, o pequeno país já se vê praticamente livre do vírus graças a um sistema de saúde bem estruturado e um amplo esforço em se obter vacinas. Netanyahu se envolveu diretamente nas negociações. Na Hungria, Viktor Orbán, outro verme abominável da extrema-direita, comprou vacinas russas e chinesas e pretende liderar a Europa no ranking dos países vacinados.
Trump, de quem Bolsonaro revelou ser cachorro de estimação, se mostrou contra o lockdown, mas preparou o campo para que os laboratórios agilizassem as vacinas e priorizarem os EUA quando as primeiras doses estivessem prontas. Enquanto a Europa lidava com as empresas responsáveis pelas vacinas no âmbito do livre-comércio, os Estados Unidos se responsabilizaram por eventuais riscos e investiram bilhões na fabricação de pelo menos quatro apostas: Jansen, Pfizer, Moderna e Astrazeneca.
O jogo político, em si, não dá conta de responder à estupidez de Bolsonaro e de demais gestores brasileiros. E o pior de tudo é ver tantas pessoas continuarem a seguir essa linha de raciocínio… à essa altura do campeonato… com mais de trezentos mil mortos… com previsões tão duras, muito duras, para os próximos meses. Falam de mais 200 mil mortos até julho. Em sua imensa maioria, pessoas que não possuem opções de trabalho e renda. Pessoas que são estimuladas a saírem normalmente de casa, pegarem conduções lotadas e a viverem como se nada estivesse acontecendo.
Durante os dois meses de lockdown na China, o governo de lá garantiu sustento à população que foi proibida de sair de casa sob risco de multa e prisão. Aqui, no Brasil, teremos um auxílio emergencial que mal paga o gás de cozinha do mês.
Antes, eu tinha medo do desconhecido. Hoje, temo a estupidez que transformou o país em misto de velório e hospício em plena guerra civil liderada por um psicopata e um bando de aproveitadores. Já sabíamos que a elite que domina econômica e politicamente o nosso país não tem limites em sua ganância e estupidez. Mas, a destruição que ora vem sendo provocada não dá conta nem dos nossos piores pesadelos.
É bem isso. No Brasil, tem um.virus pior que o covid, é o vírus da estupidez.
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