Em 1986, o então Cine Glauber Rocha, que nasceu Cine Guarani em 1920, e atual Espaço Itaú de Cinema, recebia uma "pérola" da cinematografia mundial: o filme Stallone Cobra. Meu irmão, fã de filmes violentos e do próprio "garanhão italiano" Sylvester - estrela de Rocky (1976) e Rambo (1982) - me convenceu a assistir essa película que não era em nada, nada mesmo, minha cara. Ele convidou e ele pagaria pelas entradas, então lá fui eu para a Praça Castro Alves, numa tarde de sábado, para assistir uma hora e meia de tiros e pancadarias. Bom, não me julguem, de graça, eu assistiria até Cinderela Baiana.
Já na fila para comprar os ingressos, percebi algo curioso: a quase totalidade do público era formado por homens jovens, vestindo camisas ou camisetas apertando os músculos, claramente trabalhados em academias com muita dedicação. Muitos deles usavam óculos escuros e mascavam chiclete, com expressões cheias de marra e movimentos calculados, como se estivessem sendo observados por algum caçador de talentos de Hollywood.
Dentro da sala de cinema, já bem decadente, suja e mal cuidada, os inúmeros rapazes e alguns poucos casais (namoradas abnegadas, talvez) se espalharam pelas cadeiras de madeira e napa para aguardar o início do filme. Quando a projeção começou foi um espetáculo. Não precisa nem dizer que cada tiro, soco, facada, jato de sangue e frases de macheza fazia o cinema explodir em gritos e palavrões e o cheiro de testosterona concentrada já chegava no nariz da estátua do Poeta dos Escravos, lá do lado de fora.
De repente, sem nenhuma cena de espancamento, perfuração à bala ou com objeto perfurocortante, uma gritaria começou do lado esquerdo da platéia, bem no meio da sala e logo à nossa frente, e, junto com os gritos, as pessoas levantavam as pernas ou subiam nas cadeiras. Era uma verdadeira "ola" de pernas subindo, atravessando o cinema de um lado a outro.
Era um rato. Um rato, daqueles que só o lixo nutritivo do centro da cidade poderia fazer tão imenso, passeava entre os assentos e provocava aquele caos. Quando o rato sumiu e só restou o constrangimento dos machões que não conseguiram esconder o pavor ao gordo roedor, o filme continuou a ser desfrutado...porém sem o mesmo entusiamo espartano de antes.
Na saída, como se todos estivessem já esquecidos do incidente que enriqueceu comicamente a projeção, a turma de rapazes deixou o cinema com seus músculos retesados, movimentos lentos, caras de bravos e olhares marrentos, incluindo aí meu irmão que, por alguns instantes, sentiu-se na pele do personagem do policial machão, Marion Cobretti, o Cobra, que logo no início do filme, mostrou sua valentia e lançou, falando entre dentes, para um vilão assassino "Você é a doença, eu sou a cura" e foi matando gente até o final. Arrepiante.
Eu, que nunca fui machão, comprei outra pipoca e pedi gentilmente para o pipoqueiro caprichar na manteiga derretida e no côco ralado.
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