Orígenes, Carybé, Caymmi,
Amado, Ildásio ...
No Rio de
Janeiro só se cantava “Pega no ganzá” o samba-enredo vencedor do carnaval em
1971. E “Jesus Cristo” na voz de Roberto Carlos. Trazia uma carta para
Maria-Eduarda, filha do conde Marim, algarvio de Albufeira com muita honra. A
gentil aristocrata vivia no pecado – o divórcio sendo proibido no Brasil – com Orígenes
Lessa, autor de “O Feijão e o Sonho”. A empatia com o casal foi imediata e
recíproca. Me desafiaram para ir ao casamento de João Jorge, filho de Jorge
Amado. Desconhecendo os costumes do Além-Mar, declinei a boda por não ter sido convidado
– nunca gostei de ser penetra – mas não hesitei em comprar passagem para o dia
seguinte.
Ficaria
hospedado no charmoso Vila Romana da Barra. Descendo a rua Greenfeld, só uma
casa oferecia, debaixo da mangueira, uma macarronada pegajosa. Na Bahia, o
arcebispo proibira a canção “Jesus Cristo”.
Foram curtos
quatro dias, mas com agenda de ministro da cultura. Na casa dos Amado fui
apresentado a Dorival Caymmi, com quem me deliciava em Lisboa com o LP “Maracangalha”.
O poeta Ildásio Tavares nos conduziu uma noite à Lagoa do Abaeté onde nem se
podia sonhar que cinquenta anos mais tarde um governo socialista (?) construiria
uma estação de esgoto. Um buraco na areia para abrigar uma vela, um violão e
haja seresta!
Carybé nos
convidou para ir ao Axé Opo Afonjá, bem longe do centro. Eu não fazia ideia do
que significava a palavra “Candomblé”. Uma tarde, depois de almoçar na Rua
Alagoinhas, visitamos o atelier de um artista no Rio Vermelho. Todos elogiando.
Preferi ficar calado.
Fui ao
Mercado Modelo recém-inaugurado após um incêndio. No andar superior não havia
quase nenhuma loja. Como poderia imaginar que neste mesmo piso, dez anos mais
tarde, eu teria uma galeria de arte? E que também seria vítima de outro
incêndio? Na Rampa do Mercado, por alguns cruzeiros, um saveiro me levou ao
ritmo lento de uma brisa morna até Mar Grande, na ilha de Itaparica. Durante a
travessia, o marinheiro me obrigou a tirar meus pés da água “por causa do
cação”. Cação, o que é isso? Raras casas disseminadas à beira-mar, nenhum
banhista, poucos moradores, muito mato e o sol impiedoso daquele princípio de
março. Andei por longo tempo até chegar à praia da Penha onde me aguardava um
boteco sombreado por palhas de coqueiro. Esqueci do cardápio, mas me lembro de
ter perguntado se havia algum terreno à venda.
Voltando ao
Rio, me senti meio decepcionado por Salvador não ter correspondido, com seus
oitocentos mil habitantes, a fantasia criada pela leitura da tão sensual
Gabriela Cravo e Canela. Porém, olhando pela janela do avião aquele modesto aeroporto
parecendo casa de fazenda, rodeado de dunas brancas, pensei que um dia viria
morar aqui.
Foi um feliz encontro com a terra que você adotou para sua vida.
ResponderExcluirAs pessoas com sensibilidade aflorada, que vem a Bahia e sentem um pouco do seu perfume ficam enfeitiçada e de suas malhas não conseguem livrar-se, por sua vez a Bahia também sabe a quem conceder seu cheiro e sua poesia, por tanto sinta-se um felizardo.
ResponderExcluirBahia, outorgou-me régua e compasso para saber viver e fazer contraponto aos podres poderes
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