O 23 para a dez metros da casa que me hospeda. Vai me levar de Elgin Crescent a Saint Paul Cathedral pelas ruas tranqüilas deste domingo ensolarado. Pois é, parece mentira que, em abril londrino, o sol continue assim, teimoso, me acompanhando durante quase uma semana, desde a chegada até a partida. Como vocês podem adivinhar, é tema obrigatório na fila da padaria, no hospital, no Parlamento e nas delegacias “What a gorgeous weather! Isn´t?”. O adjetivo gorgeous enche a boca, enfaticamente, enquanto os olhos se dirigem para o céu, extasiados.
Do alto do segundo andar do ônibus, sentado na primeira fila, a cidade é minha. Sou íntimo das cimeiras das árvores que deixam aparecer as primeiras folhas, meu olhar condescende, sem maior atenção, em notar as vitrines de Oxford Street, passeio por arcos e obeliscos, paquero Hyde Park e tiro o chapéu para a National Gallery.
Descendo com
calma a escada - aqui passageiro não é gado - saio do vermelhão bem na porta da
catedral. Vamos dar uma espreitada? Elegante, solene e fria, é a jóia, entre
quarenta outras igrejas de Christopher Wren que foi um pouco o Pombal ou o
Palladio londrino, após o desastroso incêndio de 1666. Lá foi celebrado o
casamento de Charles e Diana. Imagino o templo cheio de senhoras de chapéu
extravagante e senhores disfarçados de corvo, a noiva linda e o irrequieto
príncipe guardando no narigão um pouco de “Camilla´s
Tampax”, seu perfume preferido. Com tal cenário, não estranho que tenha
dado tudo errado. Mas, neste exato momento, longe das pompas reais, um coral
afinadíssimo parece iluminar até os vitrais da capela-mor, quebrando a
rebarbativa austeridade do lugar.
Sem
dificuldade, encontro a nova ponte que atravessa o Tamisa para levar-me ao novo
Tate, xodó, “talk of the town” do
Reino Unido. A Tate Gallery era, com a Wallace Collection, programa favorito
quando estudante. Meu fascínio hesitava entre Rothko e Turner. O Tate Modern
ainda não existia. Vale a viagem, só por si. A ponte já anuncia o choque
cultural, com sua tubulação de linhas arrojadas, unicamente reservada aos
pedestres.
Aliás, em
Londres, o pedestre é rei. Passeios largos e bem mantidos, preferência absoluta
na hora de atravessar as ruas – pacientes e sorridentes motoristas - calçadões
por toda parte. Nunca você se sentirá a vítima escolhida entre mil para ser
perseguida por um trânsito assassino. O único senão é aprender a olhar para
direita antes de atravessar. E acredite: não é fácil.
O novo Tate foi
aproveitado a partir de uma gigantesca central elétrica desativada. Tudo foi
deixado, dentro do coerente, como na origem. O resultado? Uma simbiose perfeita
entre arquitetura industrial e arte moderna.
Já na entrada,
uma obra de Anish Kapoor, excepcional como de costume, enfrenta um grande
retrato de Francis Bacon. Está dado o tom do museu. Daqui para frente, se
segure! Antoni Tapiés, Fautrier, Dubuffet, Tobey, Giacometti, Asger Jorn,
Nicolas de Stael e tantos outros cuja lista se tornaria fastidiosa. Confesso
ter sentido espanto com uma “Nymphea” de Monet, que entra sem remorso num
espaço abstrato/gestual rigorosamente contemporâneo e sustenta sem fraquejar a
vizinhança de Jakson Pollock e Joan Mitchell.
Entre cem
artistas que desconheço, descubro a obra de Albert Oehlen. Trabalha com
materiais que sempre achei interessantes: cartazes e outdoors sobrepostos,
rasgados, manchados, agredidos. Resulta numa obra forte e incômoda, entre
pintura e escultura, que não se contenta
Elevadores levam o público até a lanchonete do terceiro andar e o restaurante do quinto. Visto o preço de um simples copo de água lá encima, me contentarei com um sanduíche no self-service frente à vista cinemascópica do rio. Passeiam longos barcos. Ponte sempre agitada de curiosos. Do lado de lá, harmônica mistura de edifícios neoclássicos e altos prédios de desenho arrojado. A paisagem é banhada numa luz difusa, como se alguém tivesse esticado um leve véu de ponta a ponta para amenizar e diluir o eventual e fugitivo excesso de luminosidade.
O mesmo 23 me
trará de volta a uma xícara de chá no jardim secreto.
Dimitri
Ganzelevitch
Salvador, 22 de abril de 2009.
Muito bom!
ResponderExcluirExpelente crônica, Dimitri você esta desperdiçando talento na gaveta. Está na hora de publicar.
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