RUY ESPINHEIRA FILHO
Certa vez escrevi sobre um casal de
bem-te-vis e o início da vida adulta de seus filhotes. Assisti a tudo de minha
varanda, noutra casa, noutro tempo. Sentei-me ali para ler um livro, mas, com bulha
no ninho, todos falando alto, até gritando, como continuar lendo?
Concentrei-me, pois, naquele escândalo. E logo vi que os pais empurravam um
filhote para a beira do ninho. O filhote, claro, protestava em altos brados, ao
que os pais respondiam também com ênfase. Logo deduzi: era o voo inaugural do
pimpolho. Que, acostumado às comodidades da casa, não queria saber de mergulhar
naquele estranho mundo de fora. E protestava. Que gente era aquela que o
expulsava de sua própria casa? Bem, era uma gente que fazia o que devia ser feito
– e continuou a piar e a empurrar o pequeno para fora. Em dado momento, à beira
do ninho, ele abriu as asas e, como não podia fazer outra coisa, tentou se
equilibrar com elas – e então, sem dúvida para sua grande surpresa, saiu
voando!!!
E lá se foi, numa espécie de epifania, até um galho
próximo de caramboleira. E lá ficou, embalando-se, experimentando o milagre com
todos os seus sentidos – e então, erguendo bem a cabeça e estufando o peito,
saiu voando, voando, rumo ao mundo vasto, à vida, ao seu destino sonoroso de
bem-te-vi. E, enquanto eu me embevecia com o belo espetáculo, novamente outro
escândalo no ninho! Sim, novo escândalo familiar, como o anterior, só que bem
mais agitado: era o segundo filhote. Menor do que o outro, mas resistindo em
dobro, no mínimo. Foi uma operação bem mais demorada, até que, desistindo, o
filhote abriu as asas e saiu – voando não, tentando se equilibrar para não cair
de vez. E o bater frenético das asas ajudou, chegou ao chão sem traumas
físicos.
Então desceram também os pais. Cada qual num lado do
pequerrucho, sermoneando, até que o pequenino, desiludido, experimentou de novo
as asas, subindo uns dois palmos e pousando num galho de araçazeiro. Aí o
escândalo subiu de tom e de animação, como se os três estivessem rindo muito,
gargalhando. O jovem apelou mais uma vez para as asas, conquistou um galho mais
alto, depois outro – e lá ficou, como o irmão, ou irmã, encarando a imensa
tarefa do mundo, da vida. Hesitou, meio atrapalhado, quase perdeu o equilíbrio
– e de súbito voou. A princípio com insegurança, depois com firmeza – e os pais
ficaram para trás comemorando o belo cumprimento do dever.
E agora aqui, estou, anos depois, apreciando, pela janela
da sala, as aventuras numa casa de joão-de-barro. O João e a Joana mostram-se
atarefadíssimos e muito atentos. Tornei-me, enfim, um observador de pássaros?
Espero que sim, é algo bem mais belo e doce do que tentar cultivar esperanças e
perseguir ilusões...
Nenhum comentário:
Postar um comentário