Paulo Ormindo de Azevedo
O famoso poema de Garcia Lorca está sendo reescrito na Bahia. Sim, uma empresa do presidente da Fundação Roberto Marinho, de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central que recusou convite para servir ao país como Ministro da Fazenda, e outros sócios famosos, está fazendo uma reforma agrária pelas avessas na Fazenda Ponta dos Castelhanos, na ilha de Boipeba, que segundo a Superintendência do Patrimônio da União pertence à nação.
Está expulsando a população de quase uma centena de pequenas roças e choupanas de pescadores instaladas desde o século XVII, dado o nome, para incorporar um resort de luxo, com campos de aviação e golfe, que depredarão a reserva de Mata Atlântica, duas pousadas e marina para 150 lanchas que ameaçam os manguezais e restingas locais. O empreendimento imobiliário, que ocupa 20% da frente marítima da ilha, equivalente a 1.700 campos de futebol, curiosamente é incorporado por uma empresa agrícola, a Mangaba Cultivo de Coco Ltda., e foi licenciado pelo INEMA sob a alegação que é uma medida para preservar a reserva. Trata-se do último ato na Bahia da política do ex-ministro Ricardo Salles de passar a boiada.
A Globo, que fala tanto da preservação do meio ambiente, não noticiou o fato, ao contrário da invasão pelo MST de propriedades da Suzano, que desmatou o que restava da Mata Atlântica para cultivar eucalipto que exaure o solo e que acaba com a fauna local para exportar celulose e importar papel em rolo para a imprensa. A invasão injustificada do SMT, apesar de ser um protesto contra acordos não cumpridos pela empresa, foi prontamente reprimida pelo MPE. Espera-se que o MPE aja do mesmo modo por esta tentativa de invasão de colarinho branco muito mais extensa e grave em Boipeba.
A questão ambiental não é apenas um problema mundial, é gravíssima no Brasil e está ligado ao racismo estrutural contra índios da Amazônia e negros urbanos que são os grupos mais discriminados da sociedade brasileira, e se reflete em fenômenos climáticos que não aconteciam no país, como ciclones no sul, chuvas de granizo no sudeste, desidratação do Pantanal e do cerrado e deslizamento de terras nas serras carioca e paulista com centenas de mortos. Não é possível que a população pobre não tenha acesso ao solo urbano e tenha que ocupar terrenos sem condições de estabilidade e acessibilidade, como morros, encostas, margens de rios e alagados, perdendo vidas e bens que construíram a duras penas.
É urgentíssima no Brasil a reforma agrária, para garantir a segurança alimentar de nossa população, e urbana, para acabar com o flagelo das inundações e corrimentos de terra e formação de territórios de exclusão e resistência, novos quilombos, aonde não chega o estado e são disputados por gangues de milicianos armados que provocam centenas de mortes e perdas patrimoniais todos os anos.
SSA: A Tarde, 19/03/2023
So uma correção: o INEMA é estadual
ResponderExcluirEntao quem deu a licença nao foi o tal passador de boiada federal, deve ter cido o estadual.