sábado, 8 de julho de 2017

ELA TEM DIPLOMA DE MÉDICA?

  Um dia fui lá nos prédios que imitam as torres gêmeas aqui em Salvador. Entrei sorrindo e saí chorando.
Resultado de imagem para CARICATURA DE MÉDICADepois de esperar por mais de uma hora pela consulta com a pediatra que tinha renome mas não tinha relógio, fomos atendidas, eu e Bia.
A consulta começou. Minha filha tinha então quase quatro anos e não falava uma única palavra inteligível. Amigos até brincavam e a chamavam de Carlinhos Brown, pois falava pelos cotovelos mas ninguém entendia nada.
Logo no início, já exausta do périplo que há anos fazia para descobrir porque ainda não conseguia entendê-la quando danava a falar comigo (eu só fingia entender para que ela continuasse se comunicando e usando a linguagem), comecei contando tudo, os exames, a vida particular, tudo o que de alguma forma poderia ter interferido no processo de linguagem dela, no cognitivo. Mas antes de cinco minutos a médica me disse: Pare de se enganar, sua filha é autista.
Só faltou tocar Maysa nessa hora mas não tocou. O meu mundo caiu só por alguns segundos. Peguei Bia no colo e disse para ela que não entendia o porquê de eu ter esperado por mais de uma hora além da hora marcada se ela tinha a capacidade de dar um diagnóstico relâmpago. Saí de lá fingindo estar tudo bem mas não estava, lá embaixo eu chorei. Liguei pro pai.
- manda essa médica ir tomar no coo. E fique calma.
Não mandei mas fiquei.
O tempo passou, fiz exames, levei em outros profissionais que me disseram : espere, mãe. Vamos aguardar mais um pouco, cada um tem seu tempo.
Acreditei neles. Eu respondia tudo o que ela "falava". Tudo. Não entendia porra nenhuma mas respondia.
Nesse meio tempo insisti na imaginação e na linguagem. Desenhos, histórias, música e livros, muitos livros para ela.
Um dia, ela já com mais de 4 anos, só eu e ela olhando o mar de Ondina da varanda da lanchonete ( que não existe mais ) Sanduiche hall, escutei um :
-Você pode me passar o ketchup, por favor?
Entreguei o ketchup no automático. Só depois de alguns segundos é que fui compreender o que tinha acontecido.
Dei um grito: "posso passar o ketchup sim!"
O atendente, que já nos conhecia, veio correndo perguntar se eu estava passando mal e não entendia meus risos. Nem eu quis explicar.
De lá pra cá ela fala mais que a nega do leite ( espero que não tenha " leitores sensíveis" por aqui). Hoje mesmo passou a tarde no meu ouvido me contando das ideias incríveis para o livro, com desenhos, que ela está escrevendo. Sim, tá lá no quarto escrevendo agora porque eu pedi que ela gravasse as ideias senão ela iria esquecer e eu já saberia do final antes mesmo de ler e ela seria uma spoiller da própria historia ( uma forma que encontrei para ela parar de falar um pouco, confesso). Funcionou.
Contou coisas incríveis, pulava emocionada com a sensação de imaginar, perguntou como que vou fazer pra o livro sair do caderno ( que tem capa do Snoopy) e virar "livro na estante", eu não sabia a resposta e pedi pra ela me ajudar a levar o lixo, ela voltou pro quarto pulando de alegria satisfeita e orgulhosa da sua ideia e de sua mente conseguindo criar mundos e coisas tão incríveis.
Tudo isso é de foro íntimo, eu sei. É particular.
E ela vai se retar quando ler que eu contei isso, também sei.
Mas não dá pra ver tanta gente defenestrando livros e o prazer imenso que a leitura proporciona, o conhecimento na palma da sua mão, por causa de um político.
Ver pessoas tentando transformar em algo supérfluo e desnecessário algo tão fundamental para os humanos.
Algo que eu considero um alimento.
Alimento para alma.
E que não engorda.
Não dá.

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