sábado, 23 de setembro de 2017

O SAPO, O MENINO E O LOBO

Gregório Duvivier

Resultado de imagem para ILUSTRAÇÃO O MENINO E O LOBO

Reza a metáfora que, se você joga o sapo na água fervendo, ele pula fora, mas se você joga na água fria e vai esquentando a água aos poucos, ele não percebe e morre cozido. Pura lenda urbana (na verdade, rural -dificilmente você encontrará sapos pra ferver na cidade). Recentemente, biólogos fizeram o teste e descobriram que o sapo, ao perceber que está virando caldo, pula fora da panela, estragando ao mesmo tempo a sopa e a metáfora. Malditos biólogos. Que obsessão em estragar metáforas.
A parábola servia muito bem para explicar um fenômeno tão comum quanto difícil de entender: por que as pessoas demoram tanto a pular fora de casamentos falidos, empregos deprimentes e governos autoritários. 
O ser humano demora pra perceber que a água está fervendo -e inventou a metáfora do sapo, coitado, logo ele que é tão melhor que a gente na sensibilidade à fervura. Seria mais justo se os sapos usassem, entre eles, a metáfora do humano. 
"Tadinhos, os seres humanos não percebem o momento em que a democracia vira uma ditadura, daí vários são brutalmente assassinados." "Mas eles merecem", dirá outro sapo. "Sempre espalham inverdades sobre nossa espécie, como aquela da água fervendo, ou aquela outra sobre o fato de não lavarmos o pé."
Existe uma fábula que os biólogos ainda não estragaram, e que toda criança mentirosa já ouviu -ou seja, toda criança. Um menino todo dia grita "lobo!", mas nunca tem lobo nenhum: tudo o que ele queria era um pouco de atenção, e talvez uns "likes". Resultado: no dia em que finalmente tinha lobo, ninguém acreditou, e o menino morreu devorado.
Na nossa adolescência, a gente gritou "fascista!" pro chefe careta, pra professora exigente, pro tio rabugento. A palavra passou a significar "aquele de quem a gente discorda", tanto pra direita quanto pra esquerda. Talvez seja o caso de resgatá-la, ou quem sabe inventar alguma palavra nova pro que está acontecendo.
Jovens usam camiseta com estampa "Ustra vive" em homenagem a torturador. Santander Cultural cede a pressão e cancela exposição de "arte degenerada". Juiz proíbe peça de teatro que "desrespeita a religião". Cantor sertanejo defende que nunca houve ditadura no Brasil, apenas "militarismo vigiado". Candidato que quer cancelar tratados de direitos humanos é o que mais cresce nas pesquisas.
A água está esquentando, pessoal. E tem sapo achando que é jacuzzi.

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