quarta-feira, 28 de outubro de 2020

UM PAÍS DOMINADO POR BOÇAIS

 Um País dominado por Boçais

Cláudio Marques




Quarentena – dia 218

Apoiador de Bolsonaro pediu que ele fizesse algo para controlar o preço do arroz. O “presidente” se aborreceu e retrucou de forma ríspida. Falou qualquer bobagem para seu seguidor.

Bolsonaro é um boçal. Um boçal que pensa em privatizar o SUS no meio de uma pandemia. Boçalnaro. Estamos em um país dominado por boçais.

Enquanto que a segunda onda do COVID-19 chegou com força à Europa e aos Estados Unidos, por aqui, o vírus deu uma pequena trégua. Números de mortes e infectados diminuiu. Bem no momento da eleição. Tempo de abraços efusivos, comer pastel na feirinha, colocar chapéu de couro na cabeça, entre outras coisas.

É verdade que todos nós estamos cansados das restrições impostas pela quarentena. São mais de oito meses inteira ou parcialmente fechados. Para quem pode, claro. A maior parte da população foi jogada às ruas logo de cara. Desde maio, muita gente teve que ficar amontoada em ônibus lotados e em frota reduzida. Ano de eleição, as obras não pararam e milhares de trabalhadores foram às ruas como se não houvesse nada de anormal. Centenas de milhares morreram. A imensa maioria, mortes evitáveis.

Um isolamento razoável no Brasil não durou mais do que duas semanas. Isso ajuda a explicar o número elevado de mortes. Nos EUA, aconteceu o mesmo. Nos dois países estima-se que o isolamento jamais passou dos 40%, enquanto que na Europa ficou em torno dos 80%.

Na China, mais de cinco milhões foram testados, recentemente, após uma única pessoa ter sido infectada. No Brasil, tivemos poucos testes e rastreamento raro. Discursos confusos dos governantes, o negacionismo de Boçalnaro… tudo leva a um comportamento arrogante por parte da população, que, à essa altura, se sente fora de perigo. Máscaras no queixo e na orelha estava na moda. Distanciamento foi outra coisa que nunca pegou, entre nós.

A falta de empatia pelo outro, é chocante. E tem se agravado.

Relato, aqui, três situações vividas nos últimos dias. Episódios que dão conta do grau da boçalidade que nos cerca. A terceira história é a pior de todas.

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Entrei no Uber e logo notei que o motorista não usava máscara. Perguntei se ele poderia colocá-la. Ele olhou para mim, indignado. Nada respondeu. O motorista deu início à viagem e seguiu. Pouco depois, eu pedi novamente que ele colocasse a máscara. O motorista balançou a cabeça de um lado a outro. Resmungou, disse que eu tinha batido a porta do carro com muita força. Eu lamentei, pedi desculpas. Reiterei o pedido para ele colocar a máscara. Ele fez que não ouviu e voltou a reclamar. Eu pedi que ele parasse o carro. Ele interrompeu a corrida. Eu desci e fiz denúncia à empresa.

Ok, vamos supor que o motorista estava em um dia ruim. Vamos à segunda situação, que envolve mais pessoas.

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Estávamos com saudades de ir à Ilha de Itaparica. Há muito não íamos. Como não temos carro, contratei um motorista e fomos todos: minha companheira, meu filho e eu.

Na entrada do ferry, escutávamos as instruções pelo alto-falante. “É proibido ficar sem máscara no ferry-boat”. “Estamos operando com número restrito de carros para evitar aglomerações”. Lá dentro, tudo ao contrário. Funcionários do ferry orientaram e ocuparam todos os espaços possíveis com os carros. Poucos frequentadores usavam máscara. Ninguém fiscalizando. Em certo momento, uma banda de forró surgiu. A galera se animou. Povo que não se conhecia se juntava, se pegava e dançava. Sem máscara, gel, distanciamento… coisas de outro mundo. Uma alegria bonita, mas totalmente fora de lugar. Fiquei de longe e vi as coisas rapidamente. Pensei em filmar, mas me senti muito mal. Voltei ao carro e ficamos fechados.

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No Porto da Barra, tem um estabelecimento que aluga pranchas, caiaques e canoas (surfi-ski). Um lugar com banheiro e armários. Eu costumava levar meu filho à escola e, depois, ia até lá, de bicicleta. Eu deixava minhas coisas no armário, nadava, trabalhava um pouco e depois voltava para pegá-lo. Com a pandemia, claro, tudo parou.

O Porto continua fechado até hoje, mas está livre para esportes aquáticos. Depois de pensar muito, resolvi ir um dia ao estabelecimento. Ao chegar, percebi que ninguém usava máscara. Perguntei ao jovem atendente se lá a pandemia havia terminado. Ele sorriu, me olhou sem jeito. Confirmou que ali, por ser local de esportistas, ninguém usava máscara. O dono do estabelecimento me viu e se aproximou. Alegre, ele estendeu a mão na minha direção. Eu estendi o cotovelo. Constrangido, ele disse “Você anda muito preocupado com isso”. Consternado, eu perguntei se não era para estarmos preocupados. Eu perdi um tio, vários amigos ficaram doentes e perderam pessoas queridas. Mais de cento e cinquenta mil mortos. A segunda onda se anunciando. Ele deu as costas. No caminho, ele soltou a pérola “O planeta está passando por uma limpeza genética”. Eu realmente não acreditei no que eu havia escutado e pedi que ele repetisse. Lá longe, ele falou em “limpeza energética necessária”.

Eu peguei as minhas coisas e fui embora.

O dono do lugar é jovem, forte, aparência bastante saudável. Pratica boxe, surf, surf-ski, a porra toda. Provavelmente, ele não vai passar pelo processo de “limpeza genética/ energética” que o planeta está vivenciando. A dor não é dele e ele não tem que se preocupar com isso. Talvez, ninguém importante para ele contraia o vírus. Então, tá tudo bem. O mundo dele vai ficar limpinho.

Para mim, nos três casos, estamos diante de um comportamento desprovido de inteligência mínima mesclado com sonora arrogância. Uma grosseira sem limites. É eugenista, mas com certa dose de ingenuidade bastante perigosa. É um tipo de nazismo pobre. A mais imbecil boçalidade se instaurou de vez nos trópicos.

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Em poucos dias, é bem provável que Joe Biden ganhe as eleições nos EUA. Não tenho nenhuma empolgação em especial por Biden, mas me anima muito que a principal referência da extrema-direita no mundo, Donald Trump, perca. Torço para que seja uma derrota retumbante, que ele se veja chutado do poder. Se der certo (oxalá, dará!), Boçalnaro começa a ter seus dias contados. Já durou demais. 

Está na hora de mudar o rumo, novamente.




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