Minha Vida de Jasmim, que história é essa, Porchat?
Paulo Ormindo de Azevedo
A Bahia tem um visgo que sempre agarrou
andarilhos loucos e geniais que por aqui passaram, como na década de 1940, o
francês Pierre Verger, fotografo e antropólogo, o ítalo/argentino Carybé,
desenhista e pintor. A convite de Edgar Santos para ensinar na sua recém criada
UFBA viveram na Bahia, a partir dos anos 50, músicos alemães e suíços, como Koellreutter,
Widmer, Smetak, Pierre Klose e Sebastian Benda e a dançarina polonesa Yanka
Rudzka, que deram grande contribuição à cultura baiana e brasileira.
No início da década de 1960 a Bahia fisgou o
filósofo português Agostinho da Silva e a Arquiteta italiana Lina Bo Bardi. Grandes
escritores internacionais, como o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir e
o argelino Albert Camus visitaram a Bahia a convite de Jorge Amado, mas só de
passagem. Faltava a contribuição de um escritor galego, como carinhosamente se
diz aqui, para interpretar a Bahia com olhos de estrangeiro.
Já não falta. Dimitri Ganzelevitch nascido em
Rabat, no Marrocos, descendente de família francesa, por parte de mãe, e de
judeus russos, por parte de pai, visitou Salvador em 1971, se apaixonou por seu
povo, e quatro anos depois resolveu morar aqui.
Ele cresceu em Casablanca, Madri, Lisboa,
Paris, Londres e viajou por toda Europa, Oriente Médio, África e América
Latina. Essa experiência de vida já dava a ele uma condição especial como
escritor. Se juntarmos a isso seu caráter boémio, degustador da culinária, dos
vinhos, tequilas e aguardentes locais por onde viveu e vagamundeou, e sua
paixão por descrever essas experiências em seu diário fazem dele um cronista
nato.
Ele chegou de mansinho, colocou sua banca de
marchant no Mercado Modelo e ficou em surdina. Cinquenta anos depois lança um
livro primoroso. Este é seu primeiro livro de crônicas, selecionadas por ele
próprio e pelo amigo e cineasta Bernard Attal, comemorativo de seus 50 anos de
Bahia e 89 anos de vida, bem vivida. Ele já havia publicado outro livro,
em 2021, onde revelava seus dotes como fotógrafo registrando o colorido dos
carrinhos de café que circulam nos terminais de transporte da cidade. Suas
crônicas inéditas garimpadas por outros editores podem se transformar em muitos
outros livros.
Não me recordo quando o conheci, mas estreitei
laços de amizade e admiração ao ler suas crônicas no Jornal A Tarde, onde
também tenho uma coluna aos domingos. Passei a incentivá-lo a reunir suas
melhores crônicas num livro, que perenizasse sua veia literária, apesar de ele
modestamente dizer que não tinham grande valor. Quando finalmente decidiu
publicar retribuiu generosamente meu gesto dedicando o libro a mim e a dois
outros colaboradores que viabilizaram sua realização.
Minha Vida de Jasmim, primorosamente
editado pela Editora Azeviche, é um livro auto biográfico e de memórias que
segue um roteiro semelhante a On the road, do estadunidense
Jack Kerouac. Morando em Santo Antônio Além do Carmo, ele incorporou
um delicioso linguajar baiano compondo um caleidoscópio de 78 crônicas ao mesmo
tempo poéticas e irônicas de vivências internacionais e do cotidiano baiano.
Sua viagem começa na Lisboa de Amália Rodrigues
e segue pela Inglaterra, Turquia, Egito, França, Síria, Espanha e América
Latina até fundear na Bahia. A partir desse ponto o livro é uma sequência de
encantamentos com a flora, a fauna e a população local e de episódios hilários
vividos por ele na terrinha. Esse estranhamento da cultura local faz dele um
revelador de facetas de nossa cultura que nós mesmos desconhecíamos, narradas
de forma coloquial e leve.
Por que a Soterópolis? Esta é a grande pergunta
que ele próprio e seus amigos fazem. Carybé e Verger foram capturados por
Anísio Teixeira. Ele foi capturado ao ouvir um LP de Dorival Caymmi e se
encantar com sua música. Um tio que trabalhava para a ONU, no Rio de Janeiro o
convidou, em 1971, para participar do carnaval carioca e com uma amiga veio estendeu
a viagem a Salvador onde conheceu Caymmi na casa de Jorge Amado. Quatro anos
mais tarde resolveu morar na Bahia.
Este é um lançamento para o grande público. No
último dia 26 de julho, foi feito outro para um pequeno grupo de amigos, no mini
anfiteatro de sua casa, em Santo Antônio Além Carmo, debruçado sobre a baía, ao
pôr de sol de um sábado, foi feita a dramatização de algumas de suas crônicas
pelos atores Marcelo Flores, Rita Rocha e Igor Epifânio. Foi um evento
lindíssimo, como este realizado na prestigiosa Libraria Escariz, à altura de
seu livro, que é um candidato natural ao prêmio Jabuti.
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Barra, 11/12/2025

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