sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

QUE HISTÓRIA É ESSA, PORCHAT?

 Minha Vida de Jasmim, que história é essa, Porchat?

Paulo Ormindo de Azevedo



A Bahia tem um visgo que sempre agarrou andarilhos loucos e geniais que por aqui passaram, como na década de 1940, o francês Pierre Verger, fotografo e antropólogo, o ítalo/argentino Carybé, desenhista e pintor. A convite de Edgar Santos para ensinar na sua recém criada UFBA viveram na Bahia, a partir dos anos 50, músicos alemães e suíços, como Koellreutter, Widmer, Smetak, Pierre Klose e Sebastian Benda e a dançarina polonesa Yanka Rudzka, que deram grande contribuição à cultura baiana e brasileira.

No início da década de 1960 a Bahia fisgou o filósofo português Agostinho da Silva e a Arquiteta italiana Lina Bo Bardi. Grandes escritores internacionais, como o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir e o argelino Albert Camus visitaram a Bahia a convite de Jorge Amado, mas só de passagem. Faltava a contribuição de um escritor galego, como carinhosamente se diz aqui, para interpretar a Bahia com olhos de estrangeiro.

Já não falta. Dimitri Ganzelevitch nascido em Rabat, no Marrocos, descendente de família francesa, por parte de mãe, e de judeus russos, por parte de pai, visitou Salvador em 1971, se apaixonou por seu povo, e quatro anos depois resolveu morar aqui.

Ele cresceu em Casablanca, Madri, Lisboa, Paris, Londres e viajou por toda Europa, Oriente Médio, África e América Latina. Essa experiência de vida já dava a ele uma condição especial como escritor. Se juntarmos a isso seu caráter boémio, degustador da culinária, dos vinhos, tequilas e aguardentes locais por onde viveu e vagamundeou, e sua paixão por descrever essas experiências em seu diário fazem dele um cronista nato.

Ele chegou de mansinho, colocou sua banca de marchant no Mercado Modelo e ficou em surdina. Cinquenta anos depois lança um livro primoroso. Este é seu primeiro livro de crônicas, selecionadas por ele próprio e pelo amigo e cineasta Bernard Attal, comemorativo de seus 50 anos de Bahia e 89 anos de vida, bem vivida. Ele já havia publicado outro livro, em 2021, onde revelava seus dotes como fotógrafo registrando o colorido dos carrinhos de café que circulam nos terminais de transporte da cidade. Suas crônicas inéditas garimpadas por outros editores podem se transformar em muitos outros livros.

Não me recordo quando o conheci, mas estreitei laços de amizade e admiração ao ler suas crônicas no Jornal A Tarde, onde também tenho uma coluna aos domingos. Passei a incentivá-lo a reunir suas melhores crônicas num livro, que perenizasse sua veia literária, apesar de ele modestamente dizer que não tinham grande valor. Quando finalmente decidiu publicar retribuiu generosamente meu gesto dedicando o libro a mim e a dois outros colaboradores que viabilizaram sua realização.

Minha Vida de Jasmim, primorosamente editado pela Editora Azeviche, é um livro auto biográfico e de memórias que segue um roteiro semelhante a On the road, do estadunidense Jack Kerouac. Morando em Santo Antônio Além do Carmo, ele incorporou um delicioso linguajar baiano compondo um caleidoscópio de 78 crônicas ao mesmo tempo poéticas e irônicas de vivências internacionais e do cotidiano baiano.

Sua viagem começa na Lisboa de Amália Rodrigues e segue pela Inglaterra, Turquia, Egito, França, Síria, Espanha e América Latina até fundear na Bahia. A partir desse ponto o livro é uma sequência de encantamentos com a flora, a fauna e a população local e de episódios hilários vividos por ele na terrinha. Esse estranhamento da cultura local faz dele um revelador de facetas de nossa cultura que nós mesmos desconhecíamos, narradas de forma coloquial e leve.

Por que a Soterópolis? Esta é a grande pergunta que ele próprio e seus amigos fazem. Carybé e Verger foram capturados por Anísio Teixeira. Ele foi capturado ao ouvir um LP de Dorival Caymmi e se encantar com sua música. Um tio que trabalhava para a ONU, no Rio de Janeiro o convidou, em 1971, para participar do carnaval carioca e com uma amiga veio estendeu a viagem a Salvador onde conheceu Caymmi na casa de Jorge Amado. Quatro anos mais tarde resolveu morar na Bahia.

Este é um lançamento para o grande público. No último dia 26 de julho, foi feito outro para um pequeno grupo de amigos, no mini anfiteatro de sua casa, em Santo Antônio Além Carmo, debruçado sobre a baía, ao pôr de sol de um sábado, foi feita a dramatização de algumas de suas crônicas pelos atores Marcelo Flores, Rita Rocha e Igor Epifânio. Foi um evento lindíssimo, como este realizado na prestigiosa Libraria Escariz, à altura de seu livro, que é um candidato natural ao prêmio Jabuti.

 

Shopping Barra, 11/12/2025

 

 

 

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