terça-feira, 29 de novembro de 2016

RACISMO EM PORTO ALEGRE


Jornal GGN - O Reverendo Joel Mbongi Kuvuna, estudante de Doutorado da Universidade de KwaZulu-Natal esteve em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, para participar de um Seminário Internacional que contou com a participação de vários países. Ao retornar para seu país, no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, o reverendo foi humilhado por policiais sem farda ou por milicianos do aeroporto. A conclusão, já que não estava sozinho e só ele passou pelo vexatório exame, é de que sua cor e nacionalidade motivaram as agressões. Leia o relato de Joel Mbongi Kuvuna sobre a vergonhosa situação ocorrida em Porto Alegre.
Carta
Reverendo Joel Mbongi Kuvuna
Estudante de Doutorado da Universidade de KwaZulu-Natal
Pietermaritzburg
África do Sul

Sua Excelência
O Embaixador
Embaixada Brasileira em Pretória
África do Sul
25 de novembro de 2016

Cópia:
Vice-Reitor das Faculdades EST, Brasil
Universidade de KwaZulu-Natal, África do Sul
Union Theological Seminary, Estados Unidos
Universidade de Oslo, Noruega
Embaixada da República Democrática do Congo no Brasil
Embaixada do Brasil na República Democrática do Congo
Secretaria de Direitos Humanos no Brasil
Departamento da Polícia Federal do Brasil de Porto Alegre

Prezado Senhor
Episódio de Racismo ocorrido em Porto Alegre

Meu nome é Reverendo Joel Mbongi Kuvuna. Sou natural da República Democrática do Congo, estudante de doutorado na Universidade de KwaZulu-Natal na África do Sul e pastor da Igreja Protestante.
Lhe escrevo para expor o tratamento desumano que fui exposto em 21 de outubro de 2016, ao término do Seminário Internacional ocorrido em São Leopoldo, no Brasil. O encontro, intitulado “On becoming human-impacting communities: Gender-Race-Politics”, recebeu participantes das Faculdades EST (Brasil), Union Theological Seminary (EUA), University of Oslo, (Noruega) e University of KwaZulu-Natal (UKZN - África do Sul).
Quando retornávamos às nossas cidades de origem através do aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, por volta de 17h, fui cruelmente humilhado pelo Departamento da Polícia Federal de Porto Alegre. Quatro policiais sem uniforme militar, mas fortemente armados, vieram na nossa direção extremamente furiosos e nos retiraram do setor de embarque: dois professores e dois alunos norte-americanos e eu, logo após o check-in. Nesse instante nos retiraram os passaportes violentamente, sem qualquer explicação, ordenando que os seguisse; Nos instalaram em seu gabinete, onde insistiram que meus colegas norte-americanos me deixassem sozinho em uma sala separada. Neste momento finalmente entendi que eu seria o alvo do episódio. Mas o que eu havia feito de errado? Minha única falha seria a de ser negro e portar um passaporte africano.
Quando meus colegas saíram da sala, os agentes abriram minhas bagagens e espalharam meus pertences, sem que eu pudesse perguntar o que havia de errado, dizendo apenas que eu ficasse calado. Fiquei traumatizado pelo ocorrido, pois eles demonstraram claramente seu desdém por mim enquanto verificavam minhas bagagens. Quando um dos agentes encontrou  minha loção, disse com desdém: “African lotion!”.
Então chamaram seu cachorro para me farejar. Ao não encontrar nada, me obrigaram a tirar toda a minha roupa e o forçaram a me farejar mais três vezes. Quanto mais os agentes não confirmavam sua expectativa, mais furiosos ficavam. Finalmente, após confirmar a inexistência de qualquer irregularidade, nada foi explicado a respeito do que estava sendo procurado e qualquer pedido de desculpas foi feito. Eles apenas disseram para que eu recolhesse as minhas coisas e saísse. Eu chorei como nunca antes, desde que me tornei adulto.
Por que fui tratado de modo desumano, como um animal, mantido em custódia, enquanto meus colegas me aguardavam do lado de fora? Ao perguntarmos que lei havíamos desrespeitado, um dos agentes respondeu “se vocês resistirem, nós queremos mostrar que estamos no Brasil”.
Eu tenho apenas uma hipótese para isso: quando os agentes viram os passaportes dos meus colegas, os retiraram imediatamente para que me esperassem do lado de fora. Meu tratamento foi em função da minha cor e minha origem. Sou africano e negro e espero uma explicação sobre o que fizeram comigo, pois mereço respeito como ser humano. A cor da minha pele não pode ser a razão para me denegrir. Foi uma conduta vergonhosa do Departamento da Polícia Federal de Porto Alegre.
Espero então uma explicação pelo que foi feito, pois as pessoas precisam ser tratadas com respeito. Todos os seres humanos precisam ser tratados dignamente. Os agentes sabiam que eu sou um aluno de doutorado e um reverendo. Eu estava nu diante dos policiais, mas eles não estavam preocupados com isso. Fui farejado pelo seu cachorro, e tudo isso por causa da minha cor e minha origem.
Se queremos um mundo melhor, precisamos banir a violência e a opressão, tratarmos as pessoas com respeito, considerando que têm direito à dignidade, grande valor e potencial de fazer deste mundo um lugar melhor.
Minha razão de escrevê-lo foi para informá-lo acerca desse evento, e reside na esperança que o senhor acolha minha reclamação e leve até a polícia que me tratou dessa forma, para que tenham consciência da dor que provocaram em seu vergonhoso tratamento. Confio que a minha demanda será considerada e minha voz ouvida.
Peço ainda atenção às cartas das Instituições parceiras, que organizaram o presente evento (Union Theological Seminary, dos Estados Unidos e Faculdades EST, no Brasil), anexadas ao presente relato.
Saudações
Reverendo Joel Kuvuna

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