Cuba
pode ser uma ilha, mas a Havana não tem praia. Em contrapartida ostenta belo e
longo passeio bordado de um lado pelo mar, cujas ondas furiosas vêm bater
contra os rochedos, do outro por edifícios elegantes e uniformes com arcada
contínua. Na sua regularidade, o Malecón lembra a parisiense rue de Rivoli.
Nada de espigões. É a característica que faz desta cidade uma das mais belas
que conheço. Seria tão bom se nossos prefeitos tupiniquins obtusos e
gananciosos entendessem algo de planejamento urbano, em vez de sempre pensar
pornograficamente na própria carreira...
O
reinado do Porquénotecallas, investindo no futuro, se encarregou de salvar o
passado, cada província espanhola recuperando um quarteirão.
Gostoso
é passear em fim de tarde, enfim aliviado do calor de maio, pela brisa doce e
turquesa do Caribe. É também aqui o maior centro cubano de prostituição. Um
romântico prostíbulo a céu aberto. Não se engane. Os jovens casais e grupos
alegres agarram seu olhar com clara insistência enquanto fingem namorar. É
preciso driblar a polícia. Elas são bonitas, muito produzidas, na relativa
medida de suas posses, e os rapazes são uma amável mistura – criação exclusiva
do regime castrista - de cafetão e miché. Pode escolher o cardápio. Só ela, ela
e ele, ele sozinho...
A sus
órdenes. Como le guste.
Uma
jornalista estrangeira perguntou certa vez ao Comandante se lhe parecia normal
que as estudantes fossem obrigadas a vender o corpo para pagar os estudos. El
Barbudo respondeu cinicamente “Pero no, por lo contrário! Aqui, hasta las putas
pueden estudiar!”
Estou
com uma pontinha de fome. Sejamos sinceros: estou sempre com uma pontinha de
fome! O velhinho passa naquele exato momento. Compro-lhe amendoim. Pacotinho
embrulhado em folha de jornal. Só pode ser uma página do Granma. Como nada
tenho de urgente a fazer, converso com o homem. Me surpreende a formulação das
frases, a riqueza do vocabulário. Acaba confessando que é professor
universitário de matemática aposentado. “Pero que voy hacer yo con once dólares
por mês? Morrirme de hambre?”. Olho para ele. Devia ter uns vinte anos quando
Fidel tomou o poder. Quantos sonhos, quantas esperanças loucas passaram nesta
testa de adolescente, hoje cinzenta, barba mal cuidada. Terno surrado, sapatos
sem brilho. Adivinho o buraco na sola; na casa distante, a comida rala, sala
miserável rodeada de livros poeirentos, luz parca.
Quanta
injustiça nesta vida inútil...
Lá
pelo fim do malecón, uma torre, construída por algum mafioso americano antes da
revolução. Hotel de luxo primário tipo Hilton, onde cubano nenhum pode
penetrar, mesmo a convite de algum hóspede. Do outro lado da rua, um
supermercado. Aqui a proibição é outra: só entra quem puder pagar com dólares.
Apesar
dos discursos inflamados contra o imperialismo ianque, o dólar é o verdadeiro
Rei de Cuba. Entro para constatar que são muitos os cubanos abonados. Não, me
explica a mexicana Glória Lopez, delegada geral da Unesco, estes têm parentes
na Flórida que lhes mandam dinheiro para sobreviver. E haja whisky e conservas
importadas!
Na
sorveteria, duas filas. Uma longa, para quem paga alguns centavos da moeda
local, outra, bem mais curta, para quem paga em dólares.
Numa
praia “solo para cubanos” onde consegui penetrar após uma corrida memorável de
táxi a fugir da policia, de repente, uma miragem! Parado perto dos banhistas,
uma kombi com o imenso, inconfundível logo da Coca-Cola! Não posso acreditar.
Meu companheiro informa sem demora que “No es americano, es una licencia
mexicana”. Ah! Lógico! Desculpe, não podia adivinhar.
Bem
mais além do malecón, escondido entre mansões e jardins ainda conservados, sou
convidado a penetrar num famosíssimo clube dos velhos tempos, tão exclusivo na
época do ditador Fulgêncio Batista, que, por ser mulato, nem ele podia entrar.
A anedota não me convence.
Os
tempos mudaram. Viva la Revolucion
Socialista !
Mudaram
mesmo? Não vejo negro nenhum esparramado nas poltronas que rodeiam as piscinas.
Em compensação, o companheiro de luva que vem me trazer o mojito é mulato.
Á
pouca distáncia, uma marina com belos veleiros vindos do mundo inteiro. Menos
da vizinha Flòrida, of course. Mais um supermercado beirando Fauchon ou, no
mínimo, nossa Perini.
Estamos
em outro planeta.
Na
véspera vi um velho na rua procurando comida na lixeira, hoje pela manhã uns
meninos me pediram dinheiro para comprar comida e pude constatar que corriam
para a padaria. Algo está podre no reinado de Fidel.
Deixarei
Cuba emocionalmente desconectado, como se alguma lobotomia tivesse destruído
parte de minha mente. Não consigo controlar o choro nervoso, infantil, que me
perseguirá durante vários dias, mesmo após minha chegada a Salvador. Meus
amigos mais próximos ficam calados.
Durante
duas semanas fora testemunha da falência de uma política que se queria ideal,
generosa e renovadora. Vi pobreza e medo. Medo de falar, de ler, de ir e vir,
apesar de toda a salsa, merengue e bolero. Medo de um futuro sem futuro.
Desesperança.
O
mais angustiante é saber que este sonho, após se transformar em pesadelo, dará
espaço à especulação e, de novo, às máfias do mundo inteiro.
Meio
século perdido.
Dimitri
Ganzelevitch
Salvador, 12 de dezembro de 2007.
Fidel despertou sonhos da juventude com um socialismo romântico e seu destemor para enfrentar o poderio dos EUA..
ResponderExcluirSacrificou as liberdades democráticas prometendo uma revolução impossível que animou movimentos latino-americanos a se entregarem à luta armada para derrotar o sistema capitalista e implantar um modelo soviético no hemisfério.
Sobreviveu o bastante para manter o mito e assistir ao fracasso de sua aventura na economia que condenou Cuba ao atraso,apesar de avanços, insustentáveis no tempo,na saúde e educação.
A história há de julgar as consequências do regime cubano e a influencia de Castro nos governos de seu tempo na América Latina..