Eliane
Cantanhêde
jornalista
Está
em curso um movimento separatista para isolar Brasília do resto do país, ou é
só impressão? Enquanto a sociedade brasileira de Norte a Sul exige transparência,
lisura e um combate implacável à corrução, o Palácio do Planalto age como se o
tráfico de influência fosse a coisa mais natural do mundo, a Câmara dos
Deputados insiste em preventivamente anistiar crimes de corrupção, lavagem de
dinheiro e peculato em meio à Lava Jato e, no Senado, faltam dedos para contar
os inquéritos contra Suas Excelências no Supremo.
Ao
tomar posse definitivamente na presidência da República, em 31 de agosto,
Michel Temer fez um apelo e assumiu um compromisso pela “pacificação nacional”.
Menos de três meses depois, em vez de paz, o país vive uma guerra: a economia
ainda não deslanchou, a previsão de crescimento piora, o núcleo duro do governo
amolece diante das delações da Odebrecht e a crise Geddel Vieira Lima adentra o
gabinete presidencial e cai no colo do próprio Temer.
Como
escrito aqui na última terça-feira, Temer precisa ter muito cuidado com a
corda: nem deve esticar uma corda que já é naturalmente curta, nem pode
balançar numa corda bamba, nem convém aproximar a corda do pescoço, porque pode
ser mortal.
Ele
não tem popularidade de sobra, não tem controle sobre a evolução da Lava Jato,
não tem como se descolar de um PMDB tão comprometido e não está acima do bem e
do mal. Mas...
No
governo, o ex-ministro Marcelo Calero arrasta Temer para o centro da história
sobre tráfico de influência a favor de um prédio em que toda a família Vieira
Lima parece ter interesse direto – e que ameaça área histórica da bela
Salvador, com seus 30 andares e com o ridículo nome de “La Vue”.
Se
os líderes aliados davam de ombros e diziam que a mídia, por exemplo, estava
fazendo tempestade num copo d’água, está na hora de enxergarem o tsunami.
No
Senado, o presidente Renan Calheiros, do PMDB, enfrenta 12 inquéritos e pode se
tornar réu num julgamento do Supremo no dia primeiro de dezembro; o ex-ministro
e atual líder do governo Romero Jucá coleciona, até agora, oito inquéritos; a
PEC do Teto dos gastos ainda será votada; e a reforma da Previdência nem
chegou.
Na
Câmara, o procurador Deltan Dallagnol esperava “uma revolução” com a aprovação
das 10 medidas anticorrupção, que pularam para 18, recuaram para 17, viraram 12
na comissão especial e... empacaram no plenário.
Se
há uma “revolução”, ela é capitaneada pelo “Centrão” para pegar carona nas
medidas fingindo que é para anistiar o caixa-dois, quando na verdade é para se
proteger, preventivamente, de crimes mais graves: corrupção, peculato e lavagem
de dinheiro. Obviamente, como vacina para o que vem aí da Lava Jato e, em
particular, das delações da Odebrecht.
O
Centrão capitaneia esse movimento, mas o fato é que os grandes partidos
integram a tropa para derrubar o bom parecer do deputado Onyx Lorenzoni,
aprovado por unanimidade na comissão. Enfileiram-se aí, por exemplo, o PMDB, o
PSDB, pelo menos metade do PT. Só os pequenos partidos rebelaram-se contra.
Segundo
Dallagnol, “a sociedade pediu uma Ferrari e ganhou um bom carro de classe
média, mas isso é muito melhor do que andar a pé”.
O
problema é que o carro morreu dentro do plenário e, para pegar de novo, só no
tranco – o tranco da pressão popular.
E
é assim que a opinião pública, o Ministério Público, a Justiça e a Polícia
Federal caminham para um lado, enquanto o governo, a Câmara e o Senado parecem caminhar
para o outro, em sentido contrário.
O
momento é de instabilidade e de muitas e angustiantes dúvidas sobre o que vem
por aí, entre cordas, carros, trombadas, delações e prédios em Salvador.
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