sábado, 31 de dezembro de 2016

POR QUE ALGUÉM SE PERDE, SENDO RAINHA?

FLORISVALDO MATTOS

Image may contain: 1 personO assassinato do embaixador da Grécia, Kyriakos Amiridis, estampando uma tragédia de urdição macabra difícil de entender, num mundo de avançada modernidade, possui um lado insólito e outro um tanto exótico; o do envolvimento de sua mulher embaixatriz, uma brasileira de nome francês, Françoise, e o de ser ela amante de um soldado, a quem teria induzido, segundo a polícia carioca, a agir na preparação e execução do tenebroso desfecho (o crime aconteceu de madrugada, na própria casa alugada pelo embaixador, em férias). 
Afora este lado hediondo, a história apresenta um outro a muitos surpreendente, especialmente os que defendem o folclórico princípio do politicamente correto nas condutas sociais - o de, sendo ela embaixatriz de um país com a história e a glória da Grécia, ter um soldado como seu amante. Mas, tal atitude nem é tão estranha assim, pois episódios do mesmo marfim podem ter ocorrido tanto com damas de mãos e colo cobertos de diamantes, como com princesas e até rainhas, narrados em poesias, teatro, romances, ao longo de muitos séculos, e até filmes, neste que passou. 
Este lado do assombroso fato me fez lembrar um soneto da série fescenina de Bocage (Manuel Maria Barbosa du...), em que o célebre poeta português do século 18, alude à relação entre Dido, rainha de Cartago, e Eneias, herói da consagrada epopeia de Virgílio, a "Eneida", em versos que também lembram Cleópatra, rainha do Egito, Lucrécia, joia da linhagem dos Bórgias de Veneza, e até Catarina da Rússia, um dos ícones da Ilustração. Embora seja eu claramente contra o politicamente correto, mais o exótico do que o insólito do episódio animou-me a reproduzir este famoso soneto. Vai abaixo. 
Em tempo: na falta de outra solução imediata, talvez do século 18, preferi ilustrar a postagem com a célebre musa das vanguardas, Kiki de Montparnasse (1900-1953), em foto de Julien Mandel, de 1923. Votos de boa fruição, além de um Feliz 2017.

SONETO DE TODAS AS PUTAS
Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805)

Não lamentes, ó Nize, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado;

Dido foi puta, e puta de um soldado;
Cleópatra por puta alcançou a coroa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:

Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que ainda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil piças expirou vaidosa;

Todas no mundo dão a sua greta;
Não fiques pois, ó Nize, duvidosa
Que isso de virgem e honra é tudo peta.

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