Já contei um pouco sobre o arquipélago de minha memória,
perdido em mares profundos.
Imperava um regime democrático, desde que não se mexesse nas figuras principais deste xadrez onde todos os golpes eram permitidos.
Imperava um regime democrático, desde que não se mexesse nas figuras principais deste xadrez onde todos os golpes eram permitidos.
Certas ilhas eram reservadas aos pobres. Nelas também se depositava o lixo.
Noutras, mais verdes, viviam os ricos, bebendo deliciosos álcoois em piscinas
turquesas.
Na maior delas residiam os muitos membros do governo. Os
labirínticos palácios onde tudo se decidia para o benefício dos poderosos, eram
palco de impiedosas intrigas e até discretos assassinatos.
Uma ilha, com muitas
praias e mais frutas, era reservada aos artistas e poetas. É nesta que meus
pais me criaram.
Cada ilha tinha seu hino, geralmente uma marcha vitoriosamente
marcial. Na nossa, ao contrário, era aquela doce canção de Henri Salvador. Longas
noites de flautas, violões e violinos à beira das ondas calmas onde eu
adormecia no calor salgado da areia. Inventavam-se improváveis peças de teatro
e improvisadas danças com muitos véus e tambores. Pintores criavam cenários
mágicos com palmas, esqueletos de mamutes, panelas enferrujadas e desbotadas
velas de antigas embarcações. Os ensaios demoravam meses até chegar a mais
perfeita afinação.
Quando, finalmente, conselheiros de barba branca consideravam
o trabalho amadurecido o suficiente, os poderes públicos condescendiam em que
fosse apresentado na Ilha dos Governantes. Era uma festa. Vestíamos nossa roupa
mais enfeitada e remávamos uma boa hora até desembarcar no cais de concreto da
capital. Entraríamos então numa paisagem estranha, já que se havia cortado todas
as árvores, substituídas por similares de plástico que eram trocadas a cada ano.
Os ilhotas (não falei em idiotas), sempre assustados, moravam em altas torres
de vidro fumê. Se, nas ruas, os transeuntes eram poucos e apressados, em
contrapartida uma infinidade de policiais, com todo tipo de uniforme, passeava
com lentidão, perigosamente armada, a bordo de tanques conversíveis.
Os espetáculos eram montados em arenas gigantescas que raramente
conseguiam encher. Jamais os governantes vinham prestigiar os eventos, já que os
candidatos, para serem eleitos, eram cuidadosamente escolhidos entre os mais
comprovados analfabetos do arquipélago, conforme determinado pela Constituição
de 1813.
Assim que nenhuma exposição, nenhum concerto, nem o mais emocionante
balé corria o risco de ver desembarcar os poderosos com seu batalhão de
cortezões engravatados sempre dispostos a aplaudir ou vaiar, conforme o humor
do chefão. As mulheres desta ilha, todas loiras, costumavam ficar em casa onde
preparavam tortas ou confeccionavam roupas para os pobrezinhos-coitadinhos.
Algumas participavam de concursos de beleza.
E, confessemos, eram muito
bonitas.
DIMITRI GANZELEVITCH
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